22 dezembro 2025


Um conto de Natal

(segunda parte)

        

               Na véspera de Natal, a casa dos avós estava cheia. O lume crepitava, o cheiro a fritos e canela envolvia tudo, e as conversas misturavam-se com gargalhadas. As crianças brincavam perto do presépio, e as luzes piscavam com a calma de um coração que respira devagar. Lá fora, o frio mordia o silêncio da noite, mas dentro daquela casa havia um calor que não vinha só do fogo.

            Já perto das doze badaladas, os adultos mandaram as crianças para o quarto do avô como era hábito naquela noite.
- “O Menino Jesus só deixa as prendas quando ninguém estiver ao pé do presépio!” - disse o avô, piscando o olho.
Tomás deitou-se na cama, o coração a bater como um tambor. Estava decidido. Era a hora certa para por em prática o resto do plano. Fechou os olhos e murmurou:
- “Menino Jesus desculpa, mas afinal não quero os bonecos que te pedi. Gostava mesmo era de ter um comboio… um comboio com carruagens que dê voltas, voltas e voltas.”

            O silêncio que se seguiu parecia cheio de promessas. Lá fora, o vento batia nas janelas, e o lume estalava. O cheiro a sonhos e aletria enchia o ar, e Tomás imaginava o Menino Jesus a caminhar entre as casas, de mansinho, pousando presentes com mãos invisíveis.

            De repente, ouviu passos no corredor, um sussurro, uma risada abafada… e depois, uma voz alegre:
— “Já podem vir meninos! Acho que o Menino Jesus passou por aqui!”

            As crianças correram como um bando de pardais em festa. No chão, junto aos chinelos, estavam os embrulhos coloridos, cada um com o seu laço. O de Tomás destacava-se no meio de todos, com um laço vermelho. Rasgou o papel com as mãos trémulas e, quando viu o que estava dentro, o tempo pareceu parar.
Era um comboio! Um comboio com carruagens brilhantes e uma linha circular que se encaixava como um pequeno universo.

            Os olhos de Tomás encheram-se de lágrimas — não de tristeza, mas de espanto. Sentiu o coração bater com uma força que nunca tinha sentido. E naquele instante compreendeu.
Talvez o Menino Jesus não viesse do céu. Talvez vivesse dentro das pessoas, sempre que elas faziam algo bonito umas pelas outras. Talvez o milagre do Natal fosse isso — o amor disfarçado de presente, o gesto simples que ilumina o mundo inteiro sem fazer barulho.

            Nessa noite, Tomás adormeceu com o som do comboio a percorrer a sua pequena linha, dando voltas infinitas. Sonhou que viajava com ele por vales e montes, por cidades e estrelas, e que em cada paragem deixava um bocadinho de esperança. Quando acordou, o sol entrava pela janela e fazia o comboio brilhar. O presépio continuava ali, silencioso e sereno, e o Menino Jesus sorria, pequenino, no meio do musgo.

            Tomás sorriu também. Tinha descoberto a verdade — e era mais bonita do que qualquer história contada. Porque o Menino Jesus existia, sim. Existia em todos os corações que acreditavam no bem, no riso, na ternura, e no poder de uma simples fé que aquece o inverno da alma.

            E o comboio do Menino Jesus continuou a dar voltas, voltas e voltas… como a própria vida, sempre em movimento, sempre cheia de amor e mistério.

FIM


 

18 dezembro 2025


Um conto de Natal


(primeira parte)

                            Era uma vez um menino chamado Tomás que vivia numa aldeia pequena e antiga, escondida entre montes e pinhais, onde o vento trazia o cheiro da terra molhada e o som longínquo dos sinos ao entardecer. O mundo de Tomás era simples e cheio de pequenos encantos. O fumegar do vapor da sopa a subir da panela, o chiar da lenha na lareira, o bater ritmado do relógio da sala marcando o passar lento das horas. O pai era emigrante em França e ele vivia com a mãe em casa dos avós, rodeado de amor e da serenidade que só as casas antigas conhecem, aquelas onde o tempo parece andar devagar, como se tivesse medo de perturbar a paz das coisas boas.

            O seu primo João era o companheiro de todas as aventuras. Os dois inseparáveis como dois pássaros que voam juntos sem precisar de mapa. Os melhores amigos. Corriam pelos campos, subiam às árvores em busca de ninhos, faziam cabanas de ramos, e nos dias de chuva inventavam mundos dentro de casa, entre baús cheios de mistérios e utensílios antigos. Quando chegava o Natal, o coração de Tomás batia mais depressa. Era a época das luzes, do cheiro a canela e da magia que enchia o ar.

            Todos os anos, ele e João construíam o presépio com um cuidado quase sagrado. O musgo era procurado com paciência, como quem recolhe pedacinhos de sonhos. Cada figura tinha o seu lugar. Os pastores junto ao rebanho, os Reis Magos a caminho da estrela, e o Menino Jesus, adormecido no centro de tudo, com o sorriso de quem sabe um segredo bonito sobre o mundo. Tomás acreditava profundamente naquela história. Para ele, o Natal era mais do que uma festa, era um milagre.

            Mas naquele ano, algo começou a mudar. Tinha acabado de entrar naquele mundo novo que era a escola. Entre os risos dos colegas mais velhos, ouviu pela primeira vez palavras que lhe soaram como murros no estomago:

            - “O Menino Jesus não existe. As prendas são os pais que as compram.”

            Tomás ficou em silêncio. Quis acreditar que não era verdade, mas a dúvida instalou-se no seu coração como uma sombra que não se consegue afastar.
— “Como é que um bebé pode visitar todas as casas numa só noite?” — diziam, os mais velhos em tom de gozo.

            Durante dias, aquelas vozes ecoaram-lhe na alma. À noite, deitado na cama, olhava o presépio e perguntava baixinho:
            — “És mesmo tu, Menino Jesus, quem traz as prendas?”
            Mas o silêncio parecia mais fundo do que nunca. E o brilho das luzes piscava como se o próprio presépio hesitasse em responder.

            As férias chegaram e a aldeia vestiu-se de Natal. O ar enchia-se de cheiro a pinheiro, canela e açúcar, e as janelas iluminavam-se de dourado. As mães cozinhavam, os pais traziam lenha, e os avós contavam histórias que misturavam o passado com a fé. Tomás, porém, sentia o coração inquieto. Queria acreditar, mas já não sabia em quê.

            Numa tarde fria, enquanto ele e o primo procuravam musgo e a árvore no monte, uma ideia nasceu-lhe no pensamento, clara como um sino. Estava decidido, iria testar o Menino Jesus! Nesse mesmo dia contou à mãe que iria pedir ao Menino Jesus um conjunto de bonecos que tinha visto na mostra da Vila, mas guardou para si o verdadeiro plano.

                                                                                                     (continua...muito brevemente)
 

11 dezembro 2025


Carta ao Menino Jesus


Querido Menino Jesus,


                                    Hoje resolvi escrever-te, talvez para matar saudades de um tempo em que tudo parecia mais simples. Escrevo-te como quem abre uma janela para os tempos antigos, aqueles em que a infância tinha cheiro a lareira acesa, a musgo apanhado na encosta e a mãos frias de tanto o apanhar para o presépio. Ou talvez porque, no meio desta correria moderna, sinto falta do silêncio que havia nas nossas aldeias quando o Natal se aproximava. Escrevo-te porque ainda acredito em ti, Menino Jesus, e apenas em ti. Porque foste sempre o centro desta data e não o velhote gordinho de barbas e fato vermelho que o mundo inventou para te substituir. Esse pertence ao comércio. Tu pertences à Fé e à memória.

        Lembro-me, Menino Jesus, que quando éramos crianças os mais velhos eram vistos como livros vivos, como mestres da vida. Olhávamos para eles como quem olha para um farol. As suas histórias, mesmo as repetidas, tinham valor. Eram lições embrulhadas em simplicidade. Naquele banco de madeira ao pé da lareira e das panelas que aqueciam a água, estava guardada toda a sabedoria que, para nós, parecia infinita. Bastava sentarmo-nos a ouvi-los para aprendermos qualquer coisa sobre a vida, sobre a paciência, sobre a coragem. E nós, pequenos, acreditávamos. Ouvíamos. Respeitávamos. Era assim, e parecia tão natural como o frio de dezembro. Hoje, infelizmente, parece que perderam esse lugar. Vivemos num tempo em que o que conta é a novidade, não a experiência. O imediato, não a sabedoria.

        Hoje, tudo mudou. A sociedade corre! Sempre a correr, como se viver fosse cumprir metas. Os mais velhos deixaram de ser mestres para serem postos de lado, como se o mundo já não precisasse da sua memória. Mas precisa, Menino Jesus. Precisa mais do que nunca. Porque sem memória, perde-se o rumo. Perde-se o sentido. Perde-se o Natal.

        E é por isso que te escrevo, Menino Jesus. Porque sinto que precisamos de reencontrar o Natal que foi nosso. Não o Natal das prateleiras, dos anúncios, das compras sem fim. Mas o Natal que nascia numa pequena mesa, ao lado do presépio que construíamos com o musgo colhido no monte, figuras de barro coloridas, papel pardo transformado em montanhas e a velha estrela dourada que insistia em cair. Era nesse trabalho conjunto que aprendíamos o que significava esta época. União, fé, dedicação.

        Gostava tanto, Menino Jesus, que em todas as casas houvesse ainda um presépio como antigamente. Um presépio que se fizesse com as mãos e com o coração, e que lembrasse a todos o verdadeiro significado desta data. Que fosse mais do que um enfeite, fosse um convite à reflexão, à gratidão, à solidariedade.

        Peço-te, se ainda for possível, que voltes a acender nos lares aquilo que nenhuma loja vende. O calor humano. Um lugar à mesa para todos, uma palavra amiga dita sem pressa. Que cada família receba, pelo menos, um pouco de alegria, daquela que não se embrulha em papel, mas que se espalha como o calor de uma lareira acesa numa noite fria.

        Porque, no fundo, o Natal é isto. É a ternura que se partilha, o respeito que se cultiva, a memória que se honra. E, acima de tudo, a esperança que renasce mesmo quando o mundo parece distraído demais para a notar. A certeza de que, no meio das nossas fragilidades, continuamos a precisar uns dos outros. E de Ti.

 

Por isso te escrevo, Menino Jesus.
Para lembrar o que fomos.
E para pedir que nos ajudes a ser, outra vez, um pouco disso.


 

03 dezembro 2025

   

 O meu presépio de Natal!

            Já construí, mais uma vez, o meu presépio de Natal. E digo “mais uma vez” porque, na verdade, nunca é uma construção nova. É sempre uma reconstrução de memórias, de gestos repetidos, de emoções que nunca se gastam. Cada figura que coloco no seu lugar já me conhece as mãos. E eu conheço-lhe a história.

            Mas antes do presépio existir na sala, ele já existia lá atrás, nos tempos da infância, nos montes frios, nos penedos húmidos, nas mãos pequenas quase a gelar.

            Mal chegavam as férias de Natal, eu e o meu primo, companheiro de todas as brincadeiras e aventuras, lá íamos nós pelos montes à procura do musgo mais bonito. Subíamos pelos penedos, escorregávamos na terra molhada, arrancávamos o musgo com os dedos já dormentes do frio. O vento cortava, as mãos ficavam vermelhas, quase congeladas mas a alegria aquecia tudo. Parecia que aquele musgo tinha mais valor do que qualquer coisa comprada.

            E não ficávamos por aí. A seguir vinha a missão do pinheirinho. Percorríamos os mesmos montes, olhos atentos, à procura da árvore perfeita para ser a nossa árvore de Natal. Nem muito alta, nem muito ramalhuda. Tinha de ser “a tal”. Quando finalmente a encontrávamos, sentíamo-nos vitoriosos, como se tivéssemos conquistado um tesouro.

            Hoje, quando coloco o musgo no presépio, não coloco apenas um pedaço de verde. Coloco o frio na ponta dos dedos, as gargalhadas, as quedas, as corridas monte acima, o esforço feliz de quem estava a construir algo que ainda nem compreendia bem o significado, mas já sentia a magia.

            Há figuras no meu presépio que me acompanham há tantos anos que já não sei dizer quando chegaram. Algumas passaram por várias casas, por mudanças, por Natais felizes e por outros mais difíceis. Estiveram comigo quando tudo parecia simples e também quando a vida exigiu mais força. Elas ficaram. Ficaram sempre.

            Construir o presépio continua a ser um trabalho lento, quase meditativo. Escolher o lugar do estábulo, ajeitar o musgo com cuidado, esconder os fios das luzes, criar caminhos de areia, pequenas montanhas de cortiça. É como criar um pequeno mundo onde tudo faz sentido. Um mundo onde há pobreza, mas também esperança. Onde há noite, mas também há uma estrela.

            Cada figura tem a sua personalidade. Há pastores que parecem cansados, outros curiosos, outros ainda encantados. Os Reis Magos avançam devagar, como se soubessem que o tempo também faz parte da oferta. O Menino, no centro de tudo, traz sempre aquele silêncio especial que nenhuma decoração de Natal consegue copiar.

            O mais bonito é perceber que o presépio não muda muito, mas eu mudo. E, ainda assim, ele continua a dizer-me as mesmas coisas. Simplicidade, espera, fé e reencontro. Talvez por isso eu precise de o montar todos os anos. Para me lembrar de quem fui, de quem sou e de quem ainda quero ser.

            Quando termino, fico a olhar. Não por segundos, mas por longos minutos. Às vezes em silêncio. Outras vezes com o coração cheio. E penso nos montes, no frio, no musgo arrancado à pressa, no pinheiro escolhido com tanto cuidado, no meu primo, nas risadas da infância. Em quem já não está. Em quem entretanto chegou. Em tudo o que passou e no que ainda virá.

            O meu presépio não é apenas uma decoração.
            É a minha história montada em pequenas peças.
            É o Natal a acontecer devagar, dentro de casa e dentro de mim.


 

30 novembro 2025


RESPOSTA AO DESAFIO

            Não podia deixar este meu primeiro desafio sem resposta, até porque alguns participantes já estavam a demonstrar índices de ansiedade nada recomendáveis para a época que se avizinha:) Como já referi num comentário anterior sou um novato na blogosfera. Acabei por aqui parar para tentar fugir a intoxicação que se vive diariamente nas redes que dia após dia se estão a transformar em "redes antissociais". Confesso que o "projeto" que dei inicio, o meu rabiscos, me esta a cativar cada vez mais muito devido ao feedback que tenho recebido tanto em comentários como visitas, o que muito vos agradeço.
Sem mais demoras vamos então às respostas:

            A ponte que ainda muito pequeno atravessei de moto com o meu pai é a Ponte de Fão. Este é o seu nome oficial. É uma ponte metálica sobre o Rio Cávado que liga a cidade de Esposende à Vila de Fão. 

            A sua construção teve inicio em 1888, o seu projeto teve assinatura de um português, de seu nome Abel Maria da Mota e orientação de um engenheiro francês de seu nome Reynaud. Erradamente muitos ainda julgam ter sido mais uma obra de Gustave Eiffel e para essa confusão se deve o facto do autor da Torre Eiffel nessa época viver em Barcelos, onde trabalhava noutras pontes do mesmo tipo de arquitetura.
            Esta ponte teve a sua inauguração a 7 de agosto de 1892 e na altura recebeu de batismo o nome de "Ponte Luís Filipe" em homenagem ao então príncipe herdeiro. Nome esse que com a implantação da republica e todas as transformações seguintes viria a perder a sua "validade".

            Quanto à segunda parte do desafio, a parte mais doce, estava obviamente a falar das famosas "Clarinhas de Fão". São um doce conventual português, que consiste num pastel de massa fina de forma de meia lua, recheado com doce de gila, envolvidos em gemas de ovos fritos e polvilhados com açúcar. A sua origem ainda carrega muitas duvidas mas eu prefiro, até pelo seu simbolismo, acreditar na versão do povo que conta que foi a "Dona Clara" que os começou a fabricar para curar várias maleitas! 

Quanto aos vencedores aqui fica a lista:

Teresa "ematejoca"
Catarina "comtempladoraocidental"
Emília Pinto "começar de novo"
Janita "o cantinho da janita"
Pedro Coimbra "desvaneios a oriente"

            Parabéns e muito obrigado pela vossa participação.

            Fica aqui o convite para a próxima visita que fizerem ao Minho passem por esta ponte e apreciem a paisagem magnifica que ela vos oferece. E não se esqueçam de degustar as famosas clarinhas, verão que o passeio ficará logo com outro sabor!