01 setembro 2025


       A Casa na Arvore - Sonho partilhado! 


         Quando penso na minha infância, uma das lembranças mais vívidas que me vem à memoria é a sensação de aventura que brotava sempre que via um episodio das aventuras de Tom Sawyer. Juntamente com o meu primo Nuno assistia de forma quase religiosa aqueles momentos mágicos, ainda a preto e branco, que a RTP2 nos proporcionava todos os sábados de manhã. Aquele universo de liberdade, amizade e pequenas travessuras inflamava a imaginação. Eu e o meu primo não precisávamos de muito: bastava um pedaço de corda, algumas tábuas velhas e a convicção de que podíamos recriar as aventuras de Tom e Huck no nosso próprio quintal.

        Uma cena em particular ficou gravada em mim: a construção da casa na árvore para o Huck. Inspirados, decidimos fazer o mesmo. O problema é que a vontade era imensamente maior que a habilidade, e a realidade raramente acompanhava a nossa ousadia infantil. As nossas tentativas foram muitas, quase sempre terminando em desastres engraçados ou em resultados que hoje chamaríamos de “quase trágicos”. Mas, para nós, cada falha era apenas mais um capítulo da aventura.

        Só anos mais tarde, já adulto e com filhos, consegui finalmente realizar aquele sonho de criança. Construí para eles a tal casa na árvore que tanto desejei. — confesso que, no fundo, essa construção foi mais importante para mim do que para eles. Enquanto durou, foi um sucesso absoluto: um pequeno refúgio suspenso no tempo, cheio de risos, segredos e cumplicidade.

        Neste verão, durante as férias, percebi que não estava sozinho nesse sonho. Em diferentes locais, deparei-me com casas na árvore erguidas com a mesma paixão e o mesmo espírito aventureiro. Umas mais simples, outras verdadeiras obras de arte. Foi como se todas elas, espalhadas por aí, fossem testemunhos de uma infância partilhada, em que a imaginação nos fazia acreditar que bastava subir alguns ramos para alcançar a liberdade. E vocês também tiveram a vossa “casa na arvore”, ou ainda sonham com ela?

24 agosto 2025


 
Emigrantes vs Imigrantes

        Agosto está a chegar ao seu final e, com ele, regressa um sentimento que só nós sabemos traduzir numa palavra: - saudade. É a saudade das conversas à mesa, dos almoços de família que ficam mais pequenos, das festas populares que perdem rostos conhecidos. Para muitos de nós, agosto é o mês dos regressos temporários, das malas cheias de lembranças e dos abraços que tentam compensar um ano inteiro de distância.

Não me posso esconder das minhas origens. O meu pai foi obrigado a emigrar, como tantos outros da sua geração, porque o país não lhe dava condições para sonhar. Hoje é o meu filho quem segue o mesmo caminho. Também ele fez a mala, levou e deixou saudade. Mudam-se os tempos, repetem-se as partidas.

É uma realidade que atravessa gerações: somos um país de emigrantes. Sempre fomos. Está inscrito na nossa história, na nossa memória coletiva, nos apelidos que se espalham pelo mundo. Então como é possível que um país feito de partidas se mostre, tantas vezes, intolerante com aqueles que aqui chegam em busca da mesma dignidade que um dia nós procurámos lá fora? Porque é que muitos de nós escolhem ser duros e intolerantes com quem aqui chega. Esquecemo-nos depressa que já fomos nós a atravessar fronteiras, a enfrentar olhares desconfiados, a carregar no peito a saudade.

Afinal, o que distingue o nosso emigrante do imigrante que hoje cruza fronteiras para trabalhar e viver entre nós? Ambos carregam a saudade, ambos enfrentam o medo do desconhecido, ambos deixam para trás família, amigos e raízes. Ambos apenas querem uma oportunidade.

Se há algo que deveríamos ter aprendido com a nossa própria história, é a importância da empatia. Porque a dor da separação não tem nacionalidade. A esperança de uma vida melhor também não. E o sentimento saudade também não me parece que tenha bandeira.

Talvez agosto, com os seus regressos e despedidas, seja o mês ideal para nos lembrarmos disso: que a saudade que sentimos é a mesma que vivem aqueles que escolhem Portugal como casa. E que, em vez de erguer muros de intolerância, poderíamos construir pontes de compreensão.

17 agosto 2025




O meu primeiro Livro!

        Agosto, um mês que tradicionalmente todos associamos a férias. Para mim isso significa também mais tempo dedicado à leitura, de revisitar livros e de descobrir outros. Hoje veio-me à memória o meu primeiro livro: “Os Cinco e o Circo”, de Enid Blyton. Foi uma aquisição na longínqua década de oitenta do século passado(!!!), quando ainda frequentava o 5º ano. Foi numa visita da Biblioteca Municipal à minha escola. Foi a primeira vez que estive em contacto com livros sem ser os de estudo. Era uma sensação de ter um “tesouro” nas mãos. Recordo-me de o ter lido várias vezes, sempre com entusiasmo, como se fosse a primeira vez. O curioso é que, embora a história fosse sempre a mesma, as imagens e os cenários que surgiam na minha imaginação nunca se repetiam. Talvez esteja aí a magia da leitura, talvez seja isso que torna a leitura tão especial. Permitir-nos viajar sem sair do lugar, e ainda assim nunca percorrer exatamente o mesmo caminho. 

        E vocês, lembram-se qual foi o vosso primeiro livro? Aquele que despertou a curiosidade, a imaginação ou simplesmente o prazer da leitura. Façam uma visita ao vosso “baú de memórias” e encontrem esse “tesouro”!


08 agosto 2025


 









A minha Escola Primária

Quando penso na minha infância, uma das primeira imagens que me vem à cabeça é o portão da minha escola primária. Era ali que, todos os dias, eu começava novas aventuras - algumas com lápis e cadernos, outras com bola e muitas brincadeiras no recreio. Aquela escola foi mais do que um lugar de aprendizagem, foi o meu primeiro mundo fora de casa.

Lembro-me da sala, das carteiras inclinadas, do chão de madeira e do cheiro dos livros novos no começo do ano letivo. E aquele campo de futebol que na hora do recreio virava um autentico "Estádio da Luz". O professor Norberto, com o seu Citroen 2CV que tantas vezes empurramos para que pegasse no final das aulas, deixou um marca em mim. Até arrisco a dizer que deixou uma enorme marca na comunidade onde vivia. Com paciência (e com muita criatividade) ensinou-nos o valor das palavras, dos números, da amizade e do respeito.

Os amigos que ali fiz continuam a fazer parte das minhas lembranças. Alguns perderam-se no tempo, outros ainda continuam bem perto. Mas todos me ajudaram a construir quem hoje sou. Naquela altura as amizades nasciam facilmente, Um simples "queres brincar comigo?" era o começo de grandes aventuras. Naquela época as preocupações eram simples: fazer os trabalhos de casa, levar o lanche (um pão barrado com Tulicreme, que luxo), e não esquecer a "pasta dos livros". E claro, torcer para que o professor não me chamasse para ir ao quadro.

Hoje, ao passar em frente daquela escola, sinto uma mistura de saudade e gratidão. A escola primária não foi apenas o lugar onde aprendi a ler e escrever, mas onde aprendi a ser gente.

E vocês também têm  boas memórias da vossa escola primária? Há lugares que moram para sempre dentro de nós e a minha escola é um deles. 

01 agosto 2025

 

       Camilo Castelo Branco eternizou a minha terra!   

        Há lugares que carregam em si memórias, guardam estórias que desafiam o tempo. Creixomil, freguesia do concelho de Barcelos onde nasci, é um desses lugares. Pequena para uns, desconhecida para muitos é para mim um pedaço de mundo onde palpitam memórias, identidade e até…literatura! Trago hoje aqui, com sentimento de grande orgulho, uma das histórias narradas por Camilo Castelo Branco no seu livro Noites de Insónia capítulo “Voltas ao Mundo”. Um dos maiores nomes da literatura portuguesa, que este ano comemoramos os 200 anos do seu nascimento, menciona a minha pequena aldeia num dos seus livros! Não como cenário de passagem mas como palco principal de um episódio carregado de emoção e simbolismo.

           Estávamos no reinado de D. João III e segundo narra Camilo, Ayres Ferreira, um Senhor da casa de Cavalleiros que morava em Barcelos sentindo-se ofendido na sua honra pelo Abade de Creixomil escreveu ao seu filho primogénito que foi servir para a India, onde “grangeara fama”: “… Ruy Ferreira de Mendonça recebeu em Goa carta de seu pai (…) contava que o abbade de Creixomil, clérigo fidalgo e possante, ousara pôr-lhe as mãos nas barbas. Ruy sahiu com a carta de seu pai em demanda do vice-rei a pedir-lhe licença para vir ao reino.” Movido de um só propósito: vingar a honra de seu pai, o capitão Ruy Ferreira de Mendonça  atravessou o oceano contrariando ordens superiores s só descansou quando chegou ao Minho.

               (…) S. Thiago de Creixomil, abbadia do então chamado Couto de Fragoso, termo de Barcellos. Ali vivia o clérigo que affrontara Ayres Ferreira.

               Ruy, antes de se avistar com o pai, bateu á porta do abbade, e enviou-lhe o seu nome. O fidalgo tonsurado desceu ao recio da sua residência, empunhando a espada de cavaleiro. (…) Travaram-se os dous gládios; mas que prelio tão desigual entre o guerreiro experimentado e o fidalgo que sabia apenas a esgrima de curioso! Á volta de poucos botes, o abbade de Creixomil cahiu traspassado do peito ás costas, ouvindo estas vozes frementes de odio:

               - Perro! Não pozesses as mãos nas barbas de um velho!

               E depois foi beijar a mão a seu pai, com quem se demorou algumas horas, e partiu para não perder a passagem das náos que estavam de vela para a India. (…)

               A narrativa é “camiliana” em todos os sentidos: dramática, intensa com personagens moldados pelo orgulho, pela honra e pelos códigos de uma época em que a palavra de um homem era um bem maior do que o ouro das caravelas. E no centro desta história está Creixomil. Saber que a minha terra natal inspirou Camilo, e foi por ele eternizada, enche-me de orgulho. É como se cada recanto de Creixomil guardasse ainda ecos dessa narrativa intensa. Esta história, rica em simbolismo e profundamente ligada à nossa terra, merece ser contada na nossa escola, para que as novas gerações compreendam que vivem num lugar que é mencionado na literatura portuguesa. Seria justo que nós, gentes de Creixomil, a homenageássemos, não apenas como curiosidade histórica, mas como parte integrante do nosso património cultural e identitário.