Camilo Castelo Branco eternizou a minha terra!
Há lugares
que carregam em si memórias, guardam estórias
que desafiam o tempo. Creixomil, freguesia do concelho de Barcelos onde
nasci, é um desses lugares. Pequena para uns, desconhecida para muitos é para
mim um pedaço de mundo onde palpitam memórias, identidade e até…literatura!
Trago hoje aqui, com sentimento de grande orgulho, uma das histórias narradas
por Camilo Castelo Branco no seu livro Noites de Insónia – capítulo “Voltas ao Mundo”. Um
dos maiores nomes da literatura portuguesa, que este ano comemoramos os 200
anos do seu nascimento, menciona a minha pequena aldeia num dos seus livros!
Não como cenário de passagem mas como palco principal de um episódio carregado
de emoção e simbolismo.
Estávamos no reinado de D. João
III e segundo narra Camilo, Ayres Ferreira, um Senhor da casa de Cavalleiros
que morava em Barcelos sentindo-se ofendido na sua honra pelo Abade de
Creixomil escreveu ao seu filho primogénito que foi servir para a India, onde “grangeara
fama”: “… Ruy Ferreira de Mendonça recebeu em Goa carta de seu pai (…) contava
que o abbade de Creixomil, clérigo fidalgo e possante, ousara pôr-lhe as mãos
nas barbas. Ruy sahiu com a carta de seu pai em demanda do vice-rei a pedir-lhe
licença para vir ao reino.” Movido de um só propósito: vingar a honra
de seu pai, o capitão Ruy Ferreira de Mendonça
atravessou o oceano contrariando ordens superiores s só descansou quando
chegou ao Minho.
(…) S. Thiago de Creixomil,
abbadia do então chamado Couto de Fragoso, termo de Barcellos. Ali vivia o
clérigo que affrontara Ayres Ferreira.
Ruy, antes de se avistar com o
pai, bateu á porta do abbade, e enviou-lhe o seu nome. O fidalgo tonsurado
desceu ao recio da sua residência, empunhando a espada de cavaleiro. (…)
Travaram-se os dous gládios; mas que prelio tão desigual entre o guerreiro
experimentado e o fidalgo que sabia apenas a esgrima de curioso! Á volta de
poucos botes, o abbade de Creixomil cahiu traspassado do peito ás costas,
ouvindo estas vozes frementes de odio:
- Perro! Não pozesses as mãos nas
barbas de um velho!
E depois foi beijar a mão a seu
pai, com quem se demorou algumas horas, e partiu para não perder a passagem das
náos que estavam de vela para a India. (…)
A narrativa é “camiliana”
em todos os sentidos: dramática, intensa com personagens moldados pelo orgulho,
pela honra e pelos códigos de uma época em que a palavra de um homem era um bem
maior do que o ouro das caravelas. E no centro desta história está Creixomil.
Saber que a minha terra natal inspirou Camilo, e foi por ele eternizada,
enche-me de orgulho. É como se cada recanto de Creixomil guardasse ainda ecos
dessa narrativa intensa. Esta história, rica em simbolismo e profundamente ligada à nossa terra,
merece ser contada na nossa escola, para que as novas gerações compreendam que vivem num lugar que é
mencionado na literatura portuguesa. Seria justo que nós, gentes de Creixomil, a homenageássemos,
não apenas como curiosidade histórica, mas como parte integrante do nosso
património cultural e identitário.