20 outubro 2025


No silêncio do oratório.


         Finalmente chegou o Outono. Uma entrada invernosa. A chuva forte e intensa, o vento nas árvores e o frio que já se insinua pelas frestas trouxeram consigo o cheiro dos tempos antigos. Este domingo, com o céu pesado e a chuva a cair de forma violenta como há muito não via, senti-me transportado à minha infância. Viajei até à casa dos meus avós, onde as estações marcavam o ritmo da vida e até o mau tempo tinha o seu ritual.

        Nasci no seio de uma família profundamente religiosa, no coração do Minho rural. A casa dos meus avós paternos, onde passei a infância, era como tantas outras da aldeia. Uma cozinha ampla, o verdadeiro coração da casa com lareira sempre viva e o forno pronto a cozer o pão que alimentava dias inteiros de trabalho. Ao lado, o quarto dos meus avós; mais além, a sala do meio, onde dormiam as minhas tias, eu e a minha mãe, por fim, a “sala melhor”. Era assim chamada porque era um lugar que perdurava quase imaculado pois permanecia fechada quase todo o ano, como um pequeno santuário doméstico.

        A “sala melhor” só se abria em dias de festa. Na Páscoa, no Natal ou para receber alguma visita de respeito. Mas havia outra ocasião solene, envolta em temor e devoção. Eram os dias de grandes trovoadas. Quando o céu se cobria de negro e o trovejar fazia estremecer as vidraças aos quadrados, o meu avô mandava abrir a sala e fechar bem as empenas das janelas. À luz trémula das velas, todos nos reuníamos em redor do “oratório”. Um pequeno nicho antigo em madeira escura, ricamente ornamentado no topo com entalhes decorativos. No interior, protegido por uma porta de vidro, um crucifixo e uma imagem da Virgem Maria. O conjunto repousa sobre um móvel de gavetas com um pano branco de linho, transmitindo um ambiente de pureza e devoção.

        Enquanto o vento zumbia lá fora, o cheiro dos ramos de oliveira benzidos na Igreja da aldeia por altura do domingo de ramos queimando lentamente na lareira, misturava-se com o murmúrio das orações. De mãos direitas, eu rezava junto da minha mãe, pedindo a Jesus que a tempestade se fosse embora. Havia medo, sim, mas também uma paz que nascia daquela fé partilhada, daquele momento em que o mundo parecia caber dentro de uma sala iluminada por velas.

        Hoje, quando recordo esses momentos, percebo que aquela divisão daquela casa Minhota, aquela “sala melhor” era mesmo a “melhor” repartição da casa porque guardava mais do que móveis e retratos antigos. Abrigava a fé simples e profunda de uma família minhota. Uma forma de estar no mundo onde o sagrado e o quotidiano andavam de mãos dadas, uma União em tempos de incerteza e um consolo que só as memórias de infância conseguem trazer.

 



 

2 comentários:

  1. Que texto lindo de se ler e sentir cada recordação desse seu tempo de infância! A crença, a união e o aconchego familiar, também traz calor e aconchego a quem o lê. Adorei.
    Obrigada por tanta simplicidade e beleza.
    Um abraço.

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