No
silêncio do oratório.
Nasci no
seio de uma família profundamente religiosa, no coração do Minho rural. A casa
dos meus avós paternos, onde passei a infância, era como tantas outras da
aldeia. Uma cozinha ampla, o verdadeiro coração da casa com lareira sempre viva
e o forno pronto a cozer o pão que alimentava dias inteiros de trabalho. Ao
lado, o quarto dos meus avós; mais além, a sala do meio, onde dormiam as minhas
tias, eu e a minha mãe, por fim, a “sala melhor”. Era assim chamada porque era
um lugar que perdurava quase imaculado pois permanecia fechada quase todo o
ano, como um pequeno santuário doméstico.
A “sala
melhor” só se abria em dias de festa. Na Páscoa, no Natal ou para receber alguma
visita de respeito. Mas havia outra ocasião solene, envolta em temor e devoção.
Eram os dias de grandes trovoadas. Quando o céu se cobria de negro e o trovejar
fazia estremecer as vidraças aos quadrados, o meu avô mandava abrir a sala e
fechar bem as empenas das janelas. À luz trémula das velas, todos nos reuníamos
em redor do “oratório”. Um pequeno nicho antigo em madeira escura, ricamente ornamentado no topo com entalhes
decorativos. No interior, protegido por uma porta de vidro, um crucifixo e uma imagem da Virgem Maria.
O conjunto repousa sobre um móvel de gavetas com um pano branco
de linho, transmitindo um ambiente de pureza e devoção.
Enquanto o
vento zumbia lá fora, o cheiro dos ramos de oliveira benzidos na Igreja da
aldeia por altura do domingo de ramos queimando lentamente na lareira, misturava-se
com o murmúrio das orações. De mãos direitas, eu rezava junto da minha mãe,
pedindo a Jesus que a tempestade se fosse embora. Havia medo, sim, mas também
uma paz que nascia daquela fé partilhada, daquele momento em que o mundo
parecia caber dentro de uma sala iluminada por velas.
Hoje, quando recordo esses momentos, percebo que
aquela divisão daquela casa Minhota, aquela “sala melhor” era mesmo a “melhor”
repartição da casa porque guardava mais do que móveis e retratos antigos. Abrigava
a fé simples e profunda de uma família minhota. Uma forma de estar no mundo
onde o sagrado e o quotidiano andavam de mãos dadas, uma União em tempos de
incerteza e um consolo que só as memórias de infância conseguem trazer.

Que texto lindo de se ler e sentir cada recordação desse seu tempo de infância! A crença, a união e o aconchego familiar, também traz calor e aconchego a quem o lê. Adorei.
ResponderEliminarObrigada por tanta simplicidade e beleza.
Um abraço.
Olá Janita. Muito obrigado pelo comentário.
EliminarUm abraço.
Gostei de acompanhar esta recordação!
ResponderEliminarBjxxx,
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Obrigado.
EliminarAbraço.
畫工很精美.
ResponderEliminar非常感谢
EliminarA casa Minhota funciona neste excelente texto como símbolo de identidade, memória e pertença. A “sala melhor” não guarda apenas objectos, mas o peso afectivo de uma fé simples e de uma forma de estar no mundo em que o sagrado e o quotidiano se entrelaçam. Em tempos de incerteza, essa união oferece consolo, permitindo que as memórias de infância sirvam de âncora e de bússola. A divisão da casa, valorizando essa sala, revela a importância de espaços que preservam história, ritual familiar e valores colectivos.
ResponderEliminarObrigado pelo comentário. Sem dúvida que aquela casa onde vivi os meus primeiros anos de infância são para mim "ancora e bússola" ao mesmo tempo.
EliminarUm abraço.
O Outono é uma estação do ano muito agradável em Macau.
ResponderEliminarUm abraço, boa semana
Seja bem vindo novamente!
EliminarUm abraço.
A única coisa que não partilho nestas suas memórias é a religiosidade.
ResponderEliminarPenso que o Alentejo nunca foi tão devoto como o Minho.
Abraço, tudo de bom.
Tem razão. Um pais tão pequenino como o nosso mas com traços tão distantes de região para região.
EliminarUm abraço.
Muito lindo o que li de tuas memórias,
ResponderEliminarum tempo diferente deste de agora, mais saudável,
era bem assim como contas, a casa de meus pais também tinha lá suas coisas especiais, tudo era muito valorizado.
Gostei muito de ler, uma feliz semana!
Meu abraço.
Muito obrigado.
EliminarUm abraço e boa semana.
Uma sala bem especial, ternas memórias.
ResponderEliminarA fé aconchega o coração e trás paz à nossa alma.
Um grande abraço
Olá Maria, sem dúvida a fé aquece-nos o coração e dá rumo à vida.
EliminarUm grande abraço.
lindo texto...abçs
ResponderEliminarObrigado.
EliminarAbraço
Um texto muito bem escrito que foi um prazer ler.
ResponderEliminarA proeminência da religião sempre foi uma realidade na cultura nortenha. Mais que no sul do país, nomeadamente, Algarve. A dinâmica familiar entre estas duas regiões continua a ser diferente, creio, essencialmente devido à diversidade populacional existente no sul.
Muito obrigado pelas palavras. Sem dúvida que no norte ainda se vive a religião se uma forma mais profunda do que no sul.
EliminarAbraço.
Olá, R.Correia
ResponderEliminarGostei tanto tanto deste seu texto.
Nele sinto o calor e o amor de uma família
que tinha o seu recanto sagrado para os dias
de devoção ou aflição.
Recordações da infância que realmente são
um consolo.
Abraço
Olinda
Olá Olinda, muito obrigado e ainda bem que as minhas memórias servem para despertar outras!
EliminarAbraço.
Memórias tão belas. O Outono leva-nos o pensamento para os lugares onde o encanto nos tocou. Adorei o texto.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
Muito obrigado pelo seu comentário.
ResponderEliminarEstamos numa estação que apela a uma introspeção, a um profundo mergulho no sosso interior.
Abraço.
E também gostei muito texto - fez-me recordar a casa dos meus avós paternos
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