Um conto de Natal
(segunda parte)
Na véspera
de Natal, a casa dos avós estava cheia. O lume crepitava, o cheiro a fritos e
canela envolvia tudo, e as conversas misturavam-se com gargalhadas. As crianças
brincavam perto do presépio, e as luzes piscavam com a calma de um coração que
respira devagar. Lá fora, o frio mordia o silêncio da noite, mas dentro daquela
casa havia um calor que não vinha só do fogo.
Já perto das
doze badaladas, os adultos mandaram as crianças para o quarto do avô como era
hábito naquela noite.
- “O Menino Jesus só deixa as prendas quando ninguém estiver ao pé do
presépio!” - disse o avô, piscando o olho.
Tomás deitou-se na cama, o coração a bater como um tambor. Estava decidido. Era
a hora certa para por em prática o resto do plano. Fechou os olhos e murmurou:
- “Menino Jesus desculpa, mas afinal não quero os bonecos que te pedi. Gostava
mesmo era de ter um comboio… um comboio com carruagens que dê voltas, voltas e
voltas.”
O silêncio
que se seguiu parecia cheio de promessas. Lá fora, o vento batia nas janelas, e
o lume estalava. O cheiro a sonhos e aletria enchia o ar, e Tomás imaginava o
Menino Jesus a caminhar entre as casas, de mansinho, pousando presentes com
mãos invisíveis.
De repente,
ouviu passos no corredor, um sussurro, uma risada abafada… e depois, uma voz
alegre:
— “Já podem vir meninos! Acho que o Menino Jesus passou por aqui!”
As crianças
correram como um bando de pardais em festa. No chão, junto aos chinelos,
estavam os embrulhos coloridos, cada um com o seu laço. O de Tomás destacava-se
no meio de todos, com um laço vermelho. Rasgou o papel com as mãos trémulas e,
quando viu o que estava dentro, o tempo pareceu parar.
Era um comboio! Um comboio com carruagens brilhantes e uma linha circular que
se encaixava como um pequeno universo.
Os olhos de
Tomás encheram-se de lágrimas — não de tristeza, mas de espanto. Sentiu o
coração bater com uma força que nunca tinha sentido. E naquele instante
compreendeu.
Talvez o Menino Jesus não viesse do céu. Talvez vivesse dentro das pessoas,
sempre que elas faziam algo bonito umas pelas outras. Talvez o milagre do Natal
fosse isso — o amor disfarçado de presente, o gesto simples que ilumina o mundo
inteiro sem fazer barulho.
Nessa noite,
Tomás adormeceu com o som do comboio a percorrer a sua pequena linha, dando
voltas infinitas. Sonhou que viajava com ele por vales e montes, por cidades e
estrelas, e que em cada paragem deixava um bocadinho de esperança. Quando
acordou, o sol entrava pela janela e fazia o comboio brilhar. O presépio
continuava ali, silencioso e sereno, e o Menino Jesus sorria, pequenino, no
meio do musgo.
Tomás sorriu
também. Tinha descoberto a verdade — e era mais bonita do que qualquer história
contada. Porque o Menino Jesus existia, sim. Existia em todos os corações que
acreditavam no bem, no riso, na ternura, e no poder de uma simples fé que
aquece o inverno da alma.
E o comboio do Menino Jesus continuou a dar voltas, voltas e voltas… como a
própria vida, sempre em movimento, sempre cheia de amor e mistério.
FIM

Que lindo final, que lindo!
ResponderEliminar"Existia em todos os corações que acreditavam no bem, no riso, na ternura, e no poder de uma simples fé que aquece o inverno da alma."
Tudo o que é simples e verdadeiro me emociona e enternece.
Algo me diz que o R.Correia é a personificação dessa beleza que nos vai relatando em cada história.
Estou feliz por tê-lo na minha rua, neste nosso blogobairro!
Feliz Natal.
Grande abraço.