Carta ao Menino Jesus
Querido Menino
Jesus,
Hoje resolvi
escrever-te, talvez para matar saudades de um tempo em que tudo parecia mais
simples. Escrevo-te como quem abre uma janela para os tempos antigos, aqueles
em que a infância tinha cheiro a lareira acesa, a musgo apanhado na encosta e a
mãos frias de tanto o apanhar para o presépio. Ou talvez porque, no meio desta
correria moderna, sinto falta do silêncio que havia nas nossas aldeias quando o
Natal se aproximava. Escrevo-te porque ainda acredito em ti, Menino Jesus, e
apenas em ti. Porque foste sempre o centro desta data e não o velhote gordinho
de barbas e fato vermelho que o mundo inventou para te substituir. Esse
pertence ao comércio. Tu pertences à Fé e à memória.
Lembro-me, Menino
Jesus, que quando éramos crianças os mais velhos eram vistos
como livros vivos, como mestres da vida. Olhávamos para eles como quem olha
para um farol. As suas histórias, mesmo as repetidas, tinham valor. Eram lições
embrulhadas em simplicidade. Naquele banco de madeira ao pé da lareira e das
panelas que aqueciam a água, estava guardada toda a sabedoria que, para nós,
parecia infinita. Bastava sentarmo-nos a ouvi-los para aprendermos qualquer
coisa sobre a vida, sobre a paciência, sobre a coragem. E nós, pequenos,
acreditávamos. Ouvíamos. Respeitávamos. Era assim, e parecia tão natural como o
frio de dezembro. Hoje, infelizmente, parece que perderam esse lugar. Vivemos
num tempo em que o que conta é a novidade, não a experiência. O imediato, não a
sabedoria.
Hoje, tudo
mudou. A sociedade corre! Sempre a correr, como se viver fosse cumprir metas. Os
mais velhos deixaram de ser mestres para serem postos de lado, como se o mundo
já não precisasse da sua memória. Mas precisa, Menino Jesus. Precisa mais do
que nunca. Porque sem memória, perde-se o rumo. Perde-se o sentido. Perde-se o
Natal.
E é por isso
que te escrevo, Menino Jesus. Porque sinto que precisamos de reencontrar o
Natal que foi nosso. Não o Natal das prateleiras, dos anúncios, das compras sem
fim. Mas o Natal que nascia numa pequena mesa, ao lado do presépio que
construíamos com o musgo colhido no monte, figuras de barro coloridas, papel
pardo transformado em montanhas e a velha estrela dourada que insistia em cair.
Era nesse trabalho conjunto que aprendíamos o que significava esta época. União,
fé, dedicação.
Gostava
tanto, Menino Jesus, que em todas as casas houvesse ainda um presépio como
antigamente. Um presépio que se fizesse com as mãos e com o coração, e que
lembrasse a todos o verdadeiro significado desta data. Que fosse mais do que um
enfeite, fosse um convite à reflexão, à gratidão, à solidariedade.
Peço-te, se
ainda for possível, que voltes a acender nos lares aquilo que nenhuma loja
vende. O calor humano. Um
lugar à mesa para todos, uma palavra amiga dita sem pressa. Que cada família
receba, pelo menos, um pouco de alegria, daquela que não se embrulha em papel,
mas que se espalha como o calor de uma lareira acesa numa noite fria.
Porque, no
fundo, o Natal é isto. É a ternura que se partilha, o respeito que se cultiva, a
memória que se honra. E, acima de tudo, a esperança que renasce mesmo quando o
mundo parece distraído demais para a notar. A certeza de que, no meio das
nossas fragilidades, continuamos a precisar uns dos outros. E de Ti.
Por isso te
escrevo, Menino Jesus.
Para lembrar o que fomos.
E para pedir que nos ajudes a ser, outra vez, um pouco disso.

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