03 dezembro 2025

   

 O meu presépio de Natal!

            Já construí, mais uma vez, o meu presépio de Natal. E digo “mais uma vez” porque, na verdade, nunca é uma construção nova. É sempre uma reconstrução de memórias, de gestos repetidos, de emoções que nunca se gastam. Cada figura que coloco no seu lugar já me conhece as mãos. E eu conheço-lhe a história.

            Mas antes do presépio existir na sala, ele já existia lá atrás, nos tempos da infância, nos montes frios, nos penedos húmidos, nas mãos pequenas quase a gelar.

            Mal chegavam as férias de Natal, eu e o meu primo, companheiro de todas as brincadeiras e aventuras, lá íamos nós pelos montes à procura do musgo mais bonito. Subíamos pelos penedos, escorregávamos na terra molhada, arrancávamos o musgo com os dedos já dormentes do frio. O vento cortava, as mãos ficavam vermelhas, quase congeladas mas a alegria aquecia tudo. Parecia que aquele musgo tinha mais valor do que qualquer coisa comprada.

            E não ficávamos por aí. A seguir vinha a missão do pinheirinho. Percorríamos os mesmos montes, olhos atentos, à procura da árvore perfeita para ser a nossa árvore de Natal. Nem muito alta, nem muito ramalhuda. Tinha de ser “a tal”. Quando finalmente a encontrávamos, sentíamo-nos vitoriosos, como se tivéssemos conquistado um tesouro.

            Hoje, quando coloco o musgo no presépio, não coloco apenas um pedaço de verde. Coloco o frio na ponta dos dedos, as gargalhadas, as quedas, as corridas monte acima, o esforço feliz de quem estava a construir algo que ainda nem compreendia bem o significado, mas já sentia a magia.

            Há figuras no meu presépio que me acompanham há tantos anos que já não sei dizer quando chegaram. Algumas passaram por várias casas, por mudanças, por Natais felizes e por outros mais difíceis. Estiveram comigo quando tudo parecia simples e também quando a vida exigiu mais força. Elas ficaram. Ficaram sempre.

            Construir o presépio continua a ser um trabalho lento, quase meditativo. Escolher o lugar do estábulo, ajeitar o musgo com cuidado, esconder os fios das luzes, criar caminhos de areia, pequenas montanhas de cortiça. É como criar um pequeno mundo onde tudo faz sentido. Um mundo onde há pobreza, mas também esperança. Onde há noite, mas também há uma estrela.

            Cada figura tem a sua personalidade. Há pastores que parecem cansados, outros curiosos, outros ainda encantados. Os Reis Magos avançam devagar, como se soubessem que o tempo também faz parte da oferta. O Menino, no centro de tudo, traz sempre aquele silêncio especial que nenhuma decoração de Natal consegue copiar.

            O mais bonito é perceber que o presépio não muda muito, mas eu mudo. E, ainda assim, ele continua a dizer-me as mesmas coisas. Simplicidade, espera, fé e reencontro. Talvez por isso eu precise de o montar todos os anos. Para me lembrar de quem fui, de quem sou e de quem ainda quero ser.

            Quando termino, fico a olhar. Não por segundos, mas por longos minutos. Às vezes em silêncio. Outras vezes com o coração cheio. E penso nos montes, no frio, no musgo arrancado à pressa, no pinheiro escolhido com tanto cuidado, no meu primo, nas risadas da infância. Em quem já não está. Em quem entretanto chegou. Em tudo o que passou e no que ainda virá.

            O meu presépio não é apenas uma decoração.
            É a minha história montada em pequenas peças.
            É o Natal a acontecer devagar, dentro de casa e dentro de mim.


 

27 comentários:

  1. Já pensou em publicar um livro com os seus contos? Teria sucesso! : )
    Mais uma vez comparo o seu presépio ao meu. Feito com o mesmo entusiasmo, mas não tão destemido. Com searas, cujas sementes se colocavam dentro de pequenos recipientes um mês antes do Natal e o respetivo musgo que não podia faltar. Musgo verdadeiro das terras do meu avó.
    Na altura não havia o hábito de montar a árvore de Natal. Não na casa dos meus pais. Era o Menino Jesus que nos trazia os presentes e os colocava no nosso “sapatinho”. E como o Menino Jesus era generoso!! Boas recordações de tempos muito felizes.
    Os meus filhos montam a árvore de Natal e não o presépio. É o Pail Natal que traz os presentes aos meus tesouros mais pequenos. Mas sempre que estou com eles, explico, aos que já têm idade para compreender, como costumava ser “antigamente”.
    Não sei o que acontece nas grandes cidades em Portugal, nunca pensei nisso, mas aqui foi um espanto para mim quando se comprava tudo nas lojas: areia e musgo aritificiais, terra, musgo calhaus e outras coisas necessárias para montar um presépio, Em Portugal, bastava ir a casa dos avós. : )

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    1. Muito obrigado Catarina.
      Sim é verdade, agora tudo se pode comprar para enfeitar a casa e fazer o presépio, mas gosto de o fazer como antigamente. Sabe melhor
      E também sou do tempo do "Menino Jesus" que, mesmo tendo sido substituído pelo Pai Natal, continua a ser o dono da festa.
      Um abraço.

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  2. Para além do texto ser de uma delícia ímpar, sei, sinto, que o Presépio do Rui tem mais valor por ser 'totalmente' seu. Feito por si. num belo desenho a carvão.
    Em criança também ia para o 'campo' à procura de musgo. As figurinhas, eram bonecos pequeninos, a que eu atribuía os nomes da Santa Trindade.
    Agora tudo se compra já feito, nada se faz em casa.
    Este ano ando meia murchita e nem a árvore de Natal ainda fiz...
    Um abraço.

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    1. Tem toda a razão Janita. Tem um valor incalculável. Tem figuras que me acompanham desde menino. É um portador de alegria!
      Espero que este meu presépio a inspire e lhe transmita a energia suficiente para que o seu ganhe forma e vida!
      Um abraço.

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  3. A minha empregada começou hoje a fazer o nosso.
    Abraço

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    1. Eu cá não delego essa tarefa a ninguém...pelo menos por enquanto!
      Um abraço.

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  4. Gostei de encontrar (por aqui) alguém do meu concelho, embora eu tenha nascido na outra ponta, onde os conselhos de Famalicão e da Póvoa se encontram com o de Barcelos!
    E o meu presépio também era feito do mesmo modo, sem tirar nem pôr!

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    1. Então seja bem-vindo caro conterrâneo Barcelense.
      Espero a sua visita mais vezes. Prometo que vou procurar o seu blog.
      Um abraço.

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  5. Que lindas são essas histórias de Natal, Presépios,
    Papai Noel, presentes, família...
    Recordações que não desaparecem jamais!
    Gostei muito, Rui!
    Abraços!

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    1. Obrigado Tais!
      Esta época é sempre especial e as histórias que a acompanham ajudam a criar um espirito diferente que nos envolve de forma mais aconchegante.
      Um abraço.

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  6. Que história bonita e comovente. O presépio aqui não é apenas decoração, é memória, tempo e identidade que se montam peça por peça. Mostra o Natal como um processo íntimo, lento, que acontece dentro de casa e dentro de nós, transformando cada detalhe em significado. Obrigada por partilhar algo tão pessoal e poético.

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    1. Muito obrigado. Conseguiu resumir aquilo que eu acredito ser o Natal: "...um processo íntimo, lento, que acontece dentro de casa e dentro de nós..."
      Um abraço.

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  7. Também fico a olhar e a meditar...
    Gostei de o ler.
    Um Dezembro agradável e feliz.
    Saudações adventícias.
    ------

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    1. Bom dezembro para si também, e boas meditações junto ao presépio!
      Um abraço e obrigado pelo comentário.

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  8. Lindo, R. Correia.
    É uma devoção que se repete todos os anos,
    levando em cada olhar o gesto das recordações.
    Abraço.
    Olinda

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    1. Obrigado Olinda.
      Uma boa semana e que o presépio lhe traga boas recordações.
      Uma boa semana.
      Um abraço.

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  9. Fico sempre encantada com os seus textos e presa às suas palavras, que trazem memórias e reflexões.
    Também eu ia apanhar musgo para fazer o presépio, ficava tão lindo, e eu tão feliz. Tempos mágicos e especiais da infância, guardados no baú das recordações.
    Um grande abraço e um feliz mês de Dezembro

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    1. Muito obrigado Maria.
      Que este presépio lhe traga bons motivos para abrir esse baú de recordações.
      Um abraço e boa semana.

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  10. Querido amigo,

    ler teu texto é como entrar devagar numa casa aquecida depois do frio do monte. Há nele um tempo que quase já não usamos: o tempo da lembrança cuidada, do gesto repetido com sentido, da infância que não virou saudade amarga, mas raiz. O teu presépio não é cenário, é oração feita de musgo, riso, ausência e permanência. Em cada peça há mãos, em cada silêncio há presença. É bonito perceber como tu mudas, a vida muda, mas esse pequeno mundo continua te dizendo o essencial simplicidade, espera, fé. Teu texto nos lembra que o Natal verdadeiro não se monta para ser visto, mas para ser vivido por dentro.
    Obrigada pelo belo texto!

    Abraço
    Fernanda

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    1. Muito obrigado Fernanda pelo seu comentário. De facto o meu presépio é mesmo algo que vivo intensamente. Uma forma de alimentar as minhas raízes. Com ele consigo trazer para o meu Natal todos aqueles que já cá não estando continuam bem vivos naquele espaço.
      Um abraço e boa semana.

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  11. Que bonita narrativa onde nos conta a forma como constrói o presépio e como cada uma das imagens lhe lembra a história da sua vida. Adorei ler.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  12. Obrigado. São imagens que já fazem parte mim. São a minha história. São as minhas raízes que ali estão. Muito boas recordações.
    Um abraço e boa semana.

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  13. Sabes, vizinho, o meu presépio, quando era criança, era feito só no dia 22 ou 23; eu e o meu irmão íamos às " bouças buscar o musgo e o pinheirinho e depois, fora da cozinha, numa varanda, montavamos o presépio com todo o carinho. Faltavam as luzinhas, porque, naquele tempo, na aldeia, não havia esses luxos ; não faziam falta e a árvore, ficava bonita com o seu verde natural; hoje, tudo é feito com muita antecedência, em Novembro já as luzes piscam por todo o lado; quando o Natal chega, já muitas estão apagadas por causa do vento e da chuva; mas, enfim... tudo em nome do comércio ; a árvore de Natal pode ser montada cedo, porque não corre o risco de secar, mas, Amigo, é tudo tão artificial...
    Eu tive de me adaptar e na sala já tenho a árvore toda enfeitada, mas, por baixo, tenho um presépio, pequeno, mas com as imagens principais. Assim, posso explicar à minha neta pequenina, como era o meu presépio de criança. Rui, gosto de vir cá, porque, ao ler-te vou
    sempre à minha aldeia buscar momentos muito especiais; naquele tempo, não sabíamos o que era consumismo e talvez, por isso eu continue a não aderir a ele; a simplicidade e o abrir ( quanto baste) continuam a ser o meu lema
    Pelos vistos, já temos um novo vizinho, o Tintinaine . Vejo-o por aí, em alguns blogues, mas não conheço o dele. Talvez o vá procurar
    Obrigada, Amigo, pelas belas recordações que me trazes com os teus textos e saúde para todos aí em casa. Beijinhos
    Emília 🎄 🔔

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    1. Olá vizinha Emília! Tem razão, hoje em dia o fator económico está a dominar todas as tradições da nossa infância e o Natal é uma delas. A maior parte das cidades faz a inauguração das suas iluminações no mês de novembro!!!
      Fico feliz que neste meu pequeno espaço as minhas "visitas" possam reviver as suas memórias.
      Um abraço e muita saúde.

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  14. Desculpa... acima queria escrever qb, ( quanto baste ).
    Beijinho
    Emília

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