Já construí,
mais uma vez, o meu presépio de Natal. E digo “mais uma vez” porque, na
verdade, nunca é uma construção nova. É sempre uma reconstrução de memórias, de
gestos repetidos, de emoções que nunca se gastam. Cada figura que coloco no seu
lugar já me conhece as mãos. E eu conheço-lhe a história.
Mas antes do
presépio existir na sala, ele já existia lá atrás, nos tempos da
infância, nos montes frios, nos penedos húmidos, nas mãos pequenas quase a
gelar.
Mal chegavam
as férias de Natal, eu e o meu primo, companheiro de todas as brincadeiras e
aventuras, lá íamos nós pelos montes à procura do musgo mais bonito. Subíamos
pelos penedos, escorregávamos na terra molhada, arrancávamos o musgo com os
dedos já dormentes do frio. O vento cortava, as mãos ficavam vermelhas, quase
congeladas mas a alegria aquecia tudo. Parecia que aquele musgo tinha mais valor
do que qualquer coisa comprada.
E não
ficávamos por aí. A seguir vinha a missão do pinheirinho. Percorríamos os
mesmos montes, olhos atentos, à procura da árvore perfeita para ser a nossa
árvore de Natal. Nem muito alta, nem muito ramalhuda. Tinha de ser “a tal”.
Quando finalmente a encontrávamos, sentíamo-nos vitoriosos, como se tivéssemos
conquistado um tesouro.
Hoje, quando
coloco o musgo no presépio, não coloco apenas um pedaço de verde. Coloco o frio
na ponta dos dedos, as gargalhadas, as quedas, as corridas monte acima, o
esforço feliz de quem estava a construir algo que ainda nem compreendia bem o
significado, mas já sentia a magia.
Há figuras
no meu presépio que me acompanham há tantos anos que já não sei dizer quando
chegaram. Algumas passaram por várias casas, por mudanças, por Natais felizes e
por outros mais difíceis. Estiveram comigo quando tudo parecia simples e também
quando a vida exigiu mais força. Elas ficaram. Ficaram sempre.
Construir o
presépio continua a ser um trabalho lento, quase meditativo. Escolher o lugar
do estábulo, ajeitar o musgo com cuidado, esconder os fios das luzes, criar
caminhos de areia, pequenas montanhas de cortiça. É como criar um pequeno mundo
onde tudo faz sentido. Um mundo onde há pobreza, mas também esperança. Onde há
noite, mas também há uma estrela.
Cada figura
tem a sua personalidade. Há pastores que parecem cansados, outros curiosos, outros
ainda encantados. Os Reis Magos avançam devagar, como se soubessem que o tempo
também faz parte da oferta. O Menino, no centro de tudo, traz sempre aquele
silêncio especial que nenhuma decoração de Natal consegue copiar.
O mais
bonito é perceber que o presépio não muda muito, mas eu mudo. E, ainda assim,
ele continua a dizer-me as mesmas coisas. Simplicidade, espera, fé e
reencontro. Talvez por isso eu precise de o montar todos os anos. Para me
lembrar de quem fui, de quem sou e de quem ainda quero ser.
Quando
termino, fico a olhar. Não por segundos, mas por longos minutos. Às vezes em
silêncio. Outras vezes com o coração cheio. E penso nos montes, no frio, no
musgo arrancado à pressa, no pinheiro escolhido com tanto cuidado, no meu
primo, nas risadas da infância. Em quem já não está. Em quem entretanto chegou.
Em tudo o que passou e no que ainda virá.
O meu
presépio não é apenas uma decoração.
É a minha história montada em pequenas peças.
É o Natal a acontecer devagar, dentro de casa e dentro de mim.
