Quinta-feira é dia de Feira.
Hoje é
quinta-feira, e aqui em Barcelos isso tem um significado muito especial. É dia
de Feira. A
história da feira de Barcelos remonta
ao século XV, quando foi autorizada pelo Rei D. João I em 1412 para ser um
evento anual. A feira foi evoluindo ao longo dos séculos, mudando de
duração, local e dia de realização, até se fixar no Campo da República (antigo
Campo da Feira) e passar a ser realizada semanalmente às quintas-feiras. Por isso aqui na minha terra, desde sempre, a quinta-feira é dia de
Feira. É quase uma lei não escrita, enraizada na alma das gentes daqui. Se o
domingo é para ir à missa, a quinta-feira é para ir à Feira.
A feira é um
mundo à parte. Cada banca conta uma história. Das louças coloridas às mantas de
lã, de todo o tipo de vestuário, frutas e legumes, animais vivos, dos cestos de
vime aos galos de Barcelos, há um encanto que nos transporta a outros tempos. Caminhar
por entre todas aquelas bancas e tendas cheias de vida é quase como percorrer as
páginas de um livro antigo. Um livro escrito com tradição, trabalho e alegria.
Há lugares
que ficam gravados em nós não só pelo que vemos, mas pelo que sentimos e a
Feira de Barcelos é, para mim, um desses sítios. Lembro-me bem das histórias
que a minha mãe e as minhas tias contavam, dos tempos em que ainda iam a pé,
com os cestos à cabeça, equilibrados com aquela elegância natural de quem
cresceu habituada ao esforço. Outras vezes, iam com o meu avô, no carro de
bois, que rangia devagar pelas estradas de terra batida. Era uma viagem longa,
mas cheia de esperança. Esperança de vender o que a terra dava e de trazer
algum dinheiro para casa.
Mais tarde,
com as estradas melhoradas, começou a vir a “camioneta” à aldeia. Era uma
festa! A feira deixava de ser apenas um lugar de comércio, era o ponto de
encontro, o dia diferente da semana, o momento em que se viam caras conhecidas
e se trocavam novidades. Tudo o que a terra produzia tinha valor. Levavam-se
sacos de batatas, feijão, cebolas, flores e, claro, as laranjas, que sempre
foram o orgulho da nossa aldeia, conhecida pela boa laranja, doce e perfumada.
Os pares de frangos eram escolhidos “a dedo”. Os mais bonitos, de crista
vermelha eram os selecionados para chamar a atenção dos compradores.
Recordo-me
de andar de mão dada com a minha mãe, maravilhado com a confusão organizada da
feira. Andar de banca em banca, de tenda em tenda à procura das botas ou das
calças que eu precisava, mas sempre regateando o preço que ela podia pagar. As
galinhas cacarejavam num canto, o vendedor de castanhas apregoava em voz alta,
e havia sempre alguém disposto a negociar o preço de um par de sapatos ou de
uma faca artesanal. Era um espetáculo vivo, cheio de sons, cores e cheiros que
se entranhavam na memória. E no meio desse rebuliço todo, havia sempre espaço
para os pequenos prazeres. Quando a feira corria bem, lá vinha o mimo, os
“pastéis”, ou o pão doce simples que sabiam à recompensa e ao carinho de quem
queria ver os filhos felizes.
Naqueles
tempos, até a forma de se despedirem mostrava a importância da feira nas nossas
vidas. Em vez de um simples “até para a semana”, dizia-se “até à feira”. Era a
medida do tempo das gentes do campo. O calendário não se fazia pelos dias, mas
pelas feiras. Entre uma e outra passava-se a vida, com o trabalho da terra, as
colheitas, as lidas do dia-a-dia, sempre com a próxima quinta-feira no
pensamento.
A Feira de Barcelos não é só comércio. É memória viva, é tradição, é o coração do Minho a bater forte todas as quintas-feiras. Ainda agora, quando oiço o burburinho das bancas e sinto o cheiro das castanhas no ar, parece que o tempo volta atrás. Hoje já não há carro de bois nem cestos à cabeça, mas o encanto é o mesmo. A feira continua lá, fiel à sua quinta-feira, como sempre. E eu continuo a sentir o mesmo orgulho e a mesma ternura, porque a Feira de Barcelos é, e será sempre, parte da minha história.

Que texto bonito. Transmite com muita sensibilidade a essência da Feira de Barcelos: memória, tradição e orgulho que se entrelaçam no cotidiano. A sua descrição consegue transportar o leitor para as quintas-feiras, com o aroma das castanhas e o burburinho das bancas, mesmo em tempos de mudança. A feira é retratada como um elo entre passado e presente, um coração do Minho que pulsa firme. Obrigada por partilhar essa memória tão carinhosa.
ResponderEliminarMuito Obrigado. Com o meu texto consegui que visitasse uma das maiores feiras do país!
EliminarUm abraço.
O meu tablete está sempre a mudar aquilo que eu escrevo; isto é, eu escrevi “quotidiano” e não a versão brasileira que detesto.
ResponderEliminarTem vida própria:)
EliminarE dizem que é a "escrita inteligente"...
A Feira das quintas-feiras de Barcelos, já a conhecia por tanto nela ouvir falar um blogger do nosso bairro; o Tintinaine. Costuma até dizer :"Amanhã, não há publicação porque é 5ª feira e vou à Feira de Barcelos!"
ResponderEliminarEssa é mesmo uma tradição que marca presença na vida de muita gente. Hoje, não lhe vou tecer nenhum elogio, senão até parece mal gabar tanto a sua forma de bem descrever o que lhe vai na alma... :))
Um abraço.
Olá Janita.
EliminarO seu comentário já é um elogio!
Um abraço.
Que lindo seu texto, nos leva do começo ao fim com alegria.
ResponderEliminarImagino o quanto essa Feira deve ser apreciada e esperada!
Aqui em Porto Alegre - RGS, temos uma bem pertinho e muito conhecida: nos sábados, frutas, verduras, queijos, pão, bolos...todo o tipo de comestíveis. E no domingo a famosa Feira chamada de 'Bric da Redenção', com Antiguidades, Obras de arte, Artesanatos, Lanhes, Roupas, Echarpes pintadas, Bijuterias...muita coisa. Sempre é uma festa.
Gostei muito de seu texto, parabéns!
Votos de um bom fim de semana.
Abraços
Muito obrigada pelo seu comentário.
EliminarEsta feira representa muito para muita gente. Ainda hoje é uma razão para muitas pessoas saírem das suas aldeias e visitarem a cidade.
Um abraço e bom fim de semana.
Todos se conhecem e conversam...porque uma Feira é muito mais que um local para comprar e vender....
ResponderEliminarGostei muito da descrição.
Beijos e abraços
Marta
Olá Marta.
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário.
Um abraço.
É muito bom passar nas feiras .Gosto também e compro flores .
ResponderEliminarUm prazer voltar e te ler. Gosto do cotidiano e seu seu texto excelente .
Um bom fim de semana ,com abraços
Muito obrigada.
EliminarUm abraço e bom fim de semana.
Há muito sei que as Quintas-feiras são de feira, em Barcelos que conheço bem; já fui a essa feira. Vivo muito pertinho, em Famalicão, onde a feira é às Quartas. Não costumo frequentá-las, mas, em criança vinha muitas vezes, com a minha mãe, pois vivia numa aldeia onde não havia onde comprar nada; havia as mercearias onde se encontrava um pouco de tudo, mas a roupa, sapatos e outros artigos, só indo à feira; marralhava-se muito, até que a mercadoria chegasse ao preço desejado; agora, esse " marralhar " quase não existe. Claro que as compras eram sempre poucas, pois as dificuldades eram muitas; comprava-se uns sapatos novos, quando os outros já estava rotos e eram sempre um número acima para que servisse mais tempo, aliás, sapato era para ir à missa aos domingos e usar em dias de festa; nos outros dias calçavamos uns soquinhos de madeira e algumas crianças nem isso tinham. Havia muita miséria, nas aldeias do nosso Portugal. Obrigada, Amigo e um bom fim de semana. Fiquei contente por saber que somos " vizinhos " . Um abraço
ResponderEliminarEmília 🌻🌻
Olá "vizinha" Emília.
EliminarA feira é realmente um mundo com vários mundos lá dentro. Tantas memórias que recordo. Do "marralhar" que achava que a minha mãe era especialista pois conseguia quase sempre levar o que precisava ao preço que podia pagar. De ver os brinquedos que não podia ter mas que só de os ver parecia que já eram meus. Bons tempos. E confesso que já tenho saudades de ir à feira.
Um abraço e boa semana.
Olá, caro R.Correia
ResponderEliminarLi com muito entusiasmo o seu texto que nos fala
da feira em Barcelos, às quintas-feiras.
Um dia de encontros, de compras, de transmissão
de novidades.
Gostei muito.
Um Texto belíssimo.
Boa semana.
Abraço
Olinda
Muito obrigado Olinda pelas suas palavras.
Eliminarum abraço e boa semana.
Gostei muito da história dobre a feira de Barcelos. Um texto muito interessante em que parece que estamos a ver tudo, como se fosse um filme.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
Muito obrigada pelo seu comentário.
EliminarUm abraço e boa semana.
Boa tarde, Correia
ResponderEliminaro teu texto é uma viagem sensorial pela memória e pela terra. A Feira de Barcelos, nas tuas palavras, deixa de ser apenas um acontecimento semanal e se transforma num símbolo de pertencimento, um compasso que mede a vida de quem nela cresceu.
Há beleza na cadência das tuas lembranças o ranger do carro de bois, o cheiro das castanhas, o murmúrio das vozes. Tua escrita tem ritmo de conversa antiga, dessas que se contam ao entardecer, com afeto e precisão. A repetição da frase “quinta-feira é dia de Feira” funciona como uma batida do coração, lembrando que tradição também é resistência ao esquecimento.
Mais do que uma crônica sobre um lugar, é um texto sobre raízes: sobre o tempo em que o mundo girava devagar e o trabalho tinha rosto. E o encanto maior está em como consegues, sem nostalgia excessiva, transformar lembrança em permanência. Lendo-te, a gente quase sente o chão da feira debaixo dos pés.
Abraço, e boa semana de volta.
Fernanda
Muito obrigado Fernanda pelas suas palavras.
EliminarTento sempre que quem está a ler os meus textos consiga vislumbrar um pouco daquilo que eu estou a sentir ao recordar as minhas raízes. Estas memórias são a minha homenagem a quem me proporcionou, com muito pouco, uma vida cheia.
Um abraço e boa semana.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarOlá.
ResponderEliminarQue bela lembrança. As feiras são abundantes por aqui, a mais famosa talvez seja a "feira de Caruaru" que foi imortalizada em um canção nordestina pelo nosso rei do baião Luiz Gonzaga.
Obrigado Eduardo.
EliminarUm abraço.
A feira de Condeixa.
ResponderEliminarEra célebre na zona.
Julgo que ainda existe.
Abraço, boa semana
Todas as terras tinham a sua feira. Uma forma de vida diferente dos dias de hoje.
EliminarUm abraço.
Não tenho essa experiência. Para mim, a atração das feiras era apenas os carros de choque. Adorava conduzi-los. : )
ResponderEliminarAqui recordo outras feiras. Outras em que os carros ainda eram puxados por bois!
EliminarUm abraço.
Wait, this is genuinely stunning. The way you describe the Barcelos Market isn't just about shopping, it's giving a whole immersive vibe and cultural moment. Seriously, the contrast between the oxcarts of the past and the continuing tradition today is just so sweet and makes the whole thing feel super nostalgic and real.
ResponderEliminarThank you very much for your kind words. Come back again soon.
EliminarDoces memórias da infância que nos acompanham até partirmos.
ResponderEliminarIr a uma feira é sempre fantástico, mas com essas boas lembranças é certamente ainda melhor.
Abraços
É bem verdade Maria. Agora só nas férias do verão é que consigo lá voltar.
EliminarUm abraço.