“Angola
é Portugal”
Memórias de uma parede
que fala sobre o tempo, a história e o que ficou por compreender.
Há dias
voltei à casa dos meus avós. O cenário de tantas memórias de infância. Aquele
lugar onde o tempo parece ter parado, mas onde cada pedra ainda guarda um eco
da minha infância. Já não mora lá ninguém, mas aquele lugar ainda fala. As
memórias continuam vivas, espalhadas pelos cantos, misturadas no cheiro a
madeira antiga e no silêncio das paredes.
Foi num
desses cantos, num velho coberto, que reencontrei uma inscrição que sempre me
intrigou e despertou a curiosidade. “ANGOLA É PORTUGAL”
Letras brancas, toscas, desenhadas sobre a pedra, como se quisessem resistir ao
esquecimento.
Lembro-me de
a ver quando era criança, sem compreender o seu peso. Hoje, precisamente no dia em que se comemoram os
50 anos da independência de Angola, aquela frase regressou à minha memória. Agora com
outro significado, mais denso, mais humano. Soube, com o tempo, que foi escrita
pelos meus tios, ainda miúdos, provavelmente no início dos anos 60. Quando ainda
frequentavam a escola, quando o mapa de Portugal ainda incluía as antigas colónias.
Era o reflexo de uma educação moldada pela propaganda, de um país fechado sobre
si mesmo, onde se confundia identidade com domínio. Era essa lição que se
aprendia nas salas de aula, cuidadosamente controladas pelo regime do Estado
Novo. Um tempo que felizmente não me calejou pois tive a sorte de nascer em Liberdade.
Talvez, para
muitos jovens daquela geração, essa frase fosse uma justificação inconsciente
para embarcar numa guerra que não compreendiam. Uma guerra que lhes foi
imposta, fruto de um tempo em que as palavras “pátria” e “obediência” tinham um
preço alto demais. Muitos regressaram marcados, outros por lá ficaram para
sempre. Na verdade combatia-se para defender uma ideia, uma ficção construída por
um regime que temia o fim do império.
Hoje leio
essa inscrição de outra forma. Não como um grito de posse, mas como o testemunho de uma época em que as
fronteiras se traçavam à força e as consciências eram moldadas pelo medo.
E, paradoxalmente, vejo nela também a lembrança de uma ligação profunda. Uma
ligação cultural e humana entre povos que o tempo separou politicamente, mas
que continuam entrelaçados na memória e na língua. Cinquenta anos depois da
independência, a frase ganha outro significado.
Não como uma afirmação de domínio, mas como um convite à reflexão sobre tudo o
que nos une. A língua, a cultura, a memória, o sofrimento partilhado e as cicatrizes
que ainda persistem.
A parede
continua lá, firme, como quem guarda segredos antigos. Como um fragmento da
nossa história coletiva. E aquela frase, escrita à pressa e sem grande cuidado,
acabou por se tornar um fragmento de história. Não só da minha família, mas
também de um país que aprendeu e continua a aprender, com dor, o valor da
liberdade e da verdade.

Pobres países africanos de expressão portuguesa!
ResponderEliminarSe antes estavam mal, depois de se libertarem do jugo, continuaram amarrados a outros tiranos.
É bom, e bonito, encher o peito de orgulho e gritar "Liberdade", porém, de que adianta um país ser Livre se, sendo rico e autónomo, mantém o povo na miséria e refém de outras tiranias??
Fogo de artifício, alegra os gentios e fá-los cantar, mas não lhes mata a fome...
Um abraço, caro Rui.
Realmente é triste ver no estado em que ainda se encontra um pais que festeja os cinquenta anos de independência. Têm tudo e ainda lhes falta tanta coisa...
EliminarLá ainda não chegou a verdadeira Democracia.
Um abraço Janita.
Correia,
ResponderEliminarque texto poderoso.
Há nele uma delicadeza rara ao tratar de algo tão denso a herança colonial, a memória, o tempo sem perder o fio humano que o sustenta. A parede, com sua inscrição tosca e teimosa, torna-se símbolo de um passado que ainda respira, e é comovente perceber como consegues transformar essa lembrança pessoal em reflexão coletiva.
A frase “Angola é Portugal”, que antes soava como imposição, ganha nas tuas palavras uma nova camada de sentido a da ligação humana que sobrevive ao império. O texto convida à escuta da história sem ódio, mas também sem ingenuidade, reconhecendo que a liberdade é um aprendizado contínuo.
Há um respeito silencioso na tua escrita o mesmo respeito que se tem diante de uma casa antiga, de um barulho que vem do fundo do tempo. É uma crônica que une memória, consciência e poesia.
Muito boa 👍
Abraço
Fernanda
Olá Fernanda.
EliminarMuito obrigado pelas suas palavras.
Sei que este é um tema com muitas sombras. Tentei colocar algumas luz para que não fosse tão cinzento como muitos o pintam.
Um abraço.
Beautiful blog
ResponderEliminarThank you very much!
EliminarPlease read my post
ResponderEliminarInteressante afirmação. A ideia de uma “parede que fala” sugere memória colectiva, rastros do tempo, marcas da história e lacunas de compreensão que ainda nos instigam. Pode falar de como os espaços físicos guardam memórias, como paredes de casas, escolas ou centros históricos testemunham mudanças sociais, momentos de silêncio e ruídos do passado. Também convida a refletir sobre o que ainda não entendemos ou não queremos ver, convidando à leitura entre as frestas do tempo e da arquitetura.
ResponderEliminarEm resumo: a parede funciona como documento vivo, capaz de provocar memória, curiosidade e consciência histórica.
Abraço da aldeia do Düssel — a capital de NRW.
As memorias estão nos mais pequenos detalhes.
EliminarTantas coisas que "falam" à nossa volta, só precisamos de parar para as escutar.
Um abraço e bom fim de semana.
I love how you explore both the pain of colonialism and the enduring threads of shared culture and language. Reading it, you feel the quiet power of walls and words to preserve lessons that time cannot erase.
ResponderEliminarThank you very much for your visit and your comment. I hope you will visit again soon.
EliminarCinquenta anos depois somos irmãos na Lusofonia.
ResponderEliminarAbraço, bfds
E a Lusofonia está nos quatro cantos do mundo.
EliminarUm abraço e bom fim de semana.
Sem dúvida que a frase testemunha uma época e também uma realidade de um contexto histórico.
ResponderEliminarBom fim de semana.
Abraço de amizade.
Juvenal Nunes
Um abraço amigo Juvenal.
EliminarBom fim de semana.
I don't like the phrase "Angola is Portugal" at all. It smacks of colonialism, the death of Africans under Portuguese rule.
ResponderEliminarYou need to know the context of this image to understand what I'm talking about.
EliminarUma frase numa velha parede que relembra um período bem triste da nossa história.
ResponderEliminarAbraços e um excelente Domingo
Felizmente não tenho memória desses tempos mas percebo ao falar com o meu pai que foi algo muito difícil de superar. Nem o tempo, curador de muitas maleitas, consegue aliviar o que passaram.
EliminarUm abraço e boa semana.
"Hoje leio essa inscrição de outra forma. Não como um grito de posse, mas como o testemunho de uma época em que as fronteiras se traçavam à força e as consciências eram moldadas pelo medo."
ResponderEliminarUm texto escrito com a lucidez de quem sabe pensar. Foram 500 anos da nossa história. Marcaram muita gente.
Uma boa semana.
Um beijo.
Temos sempre que perceber o contexto em que os acontecimentos se desenrolaram e não os ler com o conhecimento que hoje temos.
EliminarUm abraço e boa semana.