30 novembro 2025


RESPOSTA AO DESAFIO

            Não podia deixar este meu primeiro desafio sem resposta, até porque alguns participantes já estavam a demonstrar índices de ansiedade nada recomendáveis para a época que se avizinha:) Como já referi num comentário anterior sou um novato na blogosfera. Acabei por aqui parar para tentar fugir a intoxicação que se vive diariamente nas redes que dia após dia se estão a transformar em "redes antissociais". Confesso que o "projeto" que dei inicio, o meu rabiscos, me esta a cativar cada vez mais muito devido ao feedback que tenho recebido tanto em comentários como visitas, o que muito vos agradeço.
Sem mais demoras vamos então às respostas:

            A ponte que ainda muito pequeno atravessei de moto com o meu pai é a Ponte de Fão. Este é o seu nome oficial. É uma ponte metálica sobre o Rio Cávado que liga a cidade de Esposende à Vila de Fão. 

            A sua construção teve inicio em 1888, o seu projeto teve assinatura de um português, de seu nome Abel Maria da Mota e orientação de um engenheiro francês de seu nome Reynaud. Erradamente muitos ainda julgam ter sido mais uma obra de Gustave Eiffel e para essa confusão se deve o facto do autor da Torre Eiffel nessa época viver em Barcelos, onde trabalhava noutras pontes do mesmo tipo de arquitetura.
            Esta ponte teve a sua inauguração a 7 de agosto de 1892 e na altura recebeu de batismo o nome de "Ponte Luís Filipe" em homenagem ao então príncipe herdeiro. Nome esse que com a implantação da republica e todas as transformações seguintes viria a perder a sua "validade".

            Quanto à segunda parte do desafio, a parte mais doce, estava obviamente a falar das famosas "Clarinhas de Fão". São um doce conventual português, que consiste num pastel de massa fina de forma de meia lua, recheado com doce de gila, envolvidos em gemas de ovos fritos e polvilhados com açúcar. A sua origem ainda carrega muitas duvidas mas eu prefiro, até pelo seu simbolismo, acreditar na versão do povo que conta que foi a "Dona Clara" que os começou a fabricar para curar várias maleitas! 

Quanto aos vencedores aqui fica a lista:

Teresa "ematejoca"
Catarina "comtempladoraocidental"
Emília Pinto "começar de novo"
Janita "o cantinho da janita"
Pedro Coimbra "desvaneios a oriente"

            Parabéns e muito obrigado pela vossa participação.

            Fica aqui o convite para a próxima visita que fizerem ao Minho passem por esta ponte e apreciem a paisagem magnifica que ela vos oferece. E não se esqueçam de degustar as famosas clarinhas, verão que o passeio ficará logo com outro sabor! 













 

27 novembro 2025





Desafio da Memória: 

Conseguem adivinhar que ponte é esta?

            Há fotografias que são muito mais do que imagens. São portas abertas para o passado. Hoje proponho-vos um desafio especial. Conseguem adivinhar qual é a ponte que está na fotografia?

Dou-vos algumas pistas…

            É uma ponte metálica como tantas outras construídas no nosso país. Esta situa-se no norte de Portugal. Hoje confunde-se com o nome da sua Vila, mas foi batizada com nome de um príncipe que nunca chegou a ser rei. Foi construída por um engenheiro francês, mas não, não foi o que deu nome à famosa torre Francesa, embora na época vivesse no nosso país, numa cidade bem próxima desta ponte.

            Para mim, esta ponte é muito mais do que ferro e parafusos. É memória viva. Passei por ela várias vezes “à pendura” da mota do meu pai, uma Sachs V5 que, naqueles tempos, era praticamente o nosso carro de família. Íamos visitar o meu irmão, que tinha acabado de nascer… no mesmo hospital onde eu tinha nascido sete anos antes.

            Esse hospital também guarda história. No início do século passado era conhecido como Hospital-Asilo. Criado há mais de quatrocentos anos para apoiar os peregrinos dos Caminhos de Santiago e os “enfermos mais pobres e doentes da região” conforme reza a acta da sua constituição. Fica ali mesmo, a dois passos da ponte.

            Aos olhos de hoje parecem imprudências, mas na altura eram apenas viagens normais, uma criança de sete anos, sentada atrás numa mota, mãos atadas ao casaco do pai, sem capacete... Demorávamos quase uma hora a chegar. E, mesmo assim, eu fazia aquela viagem com um sorriso enorme, como se estivesse a iniciar uma grande aventura.

            Quando a maré estava baixa, formavam-se pequenas ilhotas no rio, que mais parecia um imenso campo de pasto cheio de vacas a pastar. Era uma paisagem lindíssima, daquelas que ficam gravadas na memória para sempre.

            E há mais uma pista doce…
Do outro lado da ponte são feitos uns famosos doces conventuais à base de gila ou chila como preferirem, de origem perdida no tempo. Os mais antigos dizem que tudo começou com uma senhora chamada Clara, que os vendia como remédio para dores de estômago… e até para maleitas amorosas.

            Curioso como o tempo muda as coisas.
Esta ponte, que em criança me parecia enorme e imponente, hoje parece mais pequena. Não por ela ter encolhido, as ponte não encolhem.
Foi o mundo que ficou mais pequeno depois de eu crescer.… 

Agora é a vossa vez:
Conseguem adivinhar qual é esta ponte?

E os doces, será que acertam no verdadeiro nome?





 

20 novembro 2025


 

Tio Januário o Alfaiate.

            Há pessoas que, pela força da presença e pelo rasto que deixam na nossa infância, acabam por se tornar personagens maiores do que a própria vida. Para mim, uma dessas figuras foi o Januário ou melhor, o Tio Januário, como todos nós, crianças, éramos ensinados a chamar aos mais velhos por respeito, mesmo que não houvesse qualquer laço de sangue. Ainda assim, durante muito tempo, o seu verdadeiro nome nem sequer importava, para todos ele era simplesmente o Tio Alfaiate. Naquele tempo, as profissões colavam-se aos nomes como sobrenomes, apelidos ou alcunhas. Havia o Manel Moleiro, o João Caiador, o Joaquim Carpinteiro, o Zé do Ferreiro… e havia o Januário, o Alfaiate.

            Ele aparecia em casa do meu avô mais ou menos de quinze em quinze dias, quase sempre no mesmo dia em que se cozia o pão. Não acredito que fosse coincidência. Naquele tempo, nada havia em abundância, e muito menos comida. Mas o Januário sabia escolher bem os dias de visita!

            Chegava sempre impecável, como mandava a sua arte, montado na bicicleta a pedal com uma mola presa à perneira da calça para não tocar na corrente. Aquele cuidado era quase um cartão-de-visita. Debaixo do seu elegante e obrigatório chapéu trazia o mini-bigode sempre aparado, uma caixa de tabaco que parecia um estojo de ferramentas e uma boa disposição que não cabia na sala. A destreza com que enrolava o tabaco era fruto de anos de prática, mas nunca perdia a oportunidade de nos avisar que aquilo era “coisa de homens”, e que não devíamos experimentar. Nós ríamos e claro que acreditávamos até pelo cheiro que aquilo largava.

            Quando o Januário entrava pela porta, a casa iluminava-se. A máquina de costura parecia ganhar vida própria ao toque das suas mãos, como se tocasse música. Ele sabia remendar tudo. Calças já vencidas pelos anos, camisas gastas, roupas tão calejadas pelo tempo que só o seu talento parecia capaz de lhes dar mais uma oportunidade. Era um mestre das agulhas e linhas, daqueles que já não se fabricam.

            Entre ponto e costura, vinha sempre carregado de histórias mirabolantes que deixavam a criançada em êxtase. Quando se picava numa agulha, soltava o seu famoso “com seiscentos…”, expressão herdada, dizia ele, dos tempos em que viveu em Angola. Muito mais tarde vim a saber que o Januário era mais um dos tantos retornados que regressaram sem nada, obrigados a recomeçar do zero numa freguesia vizinha. Talvez por isso valorizasse tanto cada pequeno gesto, cada broa, cada gargalhada.

            E, claro, nunca saía de mãos vazias. No fim do dia, seguia estrada fora, de sacola de pano ao ombro, levando consigo uma broa de milho acabadinha de cozer, talvez a sua jorna. Mas ainda antes disso, tinha direito a uma grande malga de broa com vinho, a tão popular “sopa de vinho” que devorava com gosto para ganhar força para a viagem.

            Não sei se o Januário tinha consciência do lugar que ocupava nas nossas memórias. Mas sei que, para muitos de nós, ele foi mais do que um alfaiate ambulante. Foi personagem, foi alegria, foi companhia. Um daqueles pequenos grandes fragmentos da infância que ficam gravados para sempre, costurados a ponto firme no tecido do tempo. Afinal, que seria da nossa infância sem estas personagens que costuraram, ponto a ponto, as memórias que hoje ainda nos aquecem o coração?

11 novembro 2025


“Angola é Portugal”

Memórias de uma parede que fala sobre o tempo, a história e o que ficou por compreender.


            Há dias voltei à casa dos meus avós. O cenário de tantas memórias de infância. Aquele lugar onde o tempo parece ter parado, mas onde cada pedra ainda guarda um eco da minha infância. Já não mora lá ninguém, mas aquele lugar ainda fala. As memórias continuam vivas, espalhadas pelos cantos, misturadas no cheiro a madeira antiga e no silêncio das paredes.

            Foi num desses cantos, num velho coberto, que reencontrei uma inscrição que sempre me intrigou e despertou a curiosidade. “ANGOLA É PORTUGAL
Letras brancas, toscas, desenhadas sobre a pedra, como se quisessem resistir ao esquecimento.

            Lembro-me de a ver quando era criança, sem compreender o seu peso. Hoje, precisamente no dia em que se comemoram os 50 anos da independência de Angola, aquela frase regressou à minha memória. Agora com outro significado, mais denso, mais humano. Soube, com o tempo, que foi escrita pelos meus tios, ainda miúdos, provavelmente no início dos anos 60. Quando ainda frequentavam a escola, quando o mapa de Portugal ainda incluía as antigas colónias. Era o reflexo de uma educação moldada pela propaganda, de um país fechado sobre si mesmo, onde se confundia identidade com domínio. Era essa lição que se aprendia nas salas de aula, cuidadosamente controladas pelo regime do Estado Novo. Um tempo que felizmente não me calejou pois tive a sorte de nascer em Liberdade.

            Talvez, para muitos jovens daquela geração, essa frase fosse uma justificação inconsciente para embarcar numa guerra que não compreendiam. Uma guerra que lhes foi imposta, fruto de um tempo em que as palavras “pátria” e “obediência” tinham um preço alto demais. Muitos regressaram marcados, outros por lá ficaram para sempre. Na verdade combatia-se para defender uma ideia, uma ficção construída por um regime que temia o fim do império.

            Hoje leio essa inscrição de outra forma. Não como um grito de posse, mas como o testemunho de uma época em que as fronteiras se traçavam à força e as consciências eram moldadas pelo medo.
E, paradoxalmente, vejo nela também a lembrança de uma ligação profunda. Uma ligação cultural e humana entre povos que o tempo separou politicamente, mas que continuam entrelaçados na memória e na língua. Cinquenta anos depois da independência, a frase ganha outro significado.
Não como uma afirmação de domínio, mas como um convite à reflexão sobre tudo o que nos une. A língua, a cultura, a memória, o sofrimento partilhado e as cicatrizes que ainda persistem.

            A parede continua lá, firme, como quem guarda segredos antigos. Como um fragmento da nossa história coletiva. E aquela frase, escrita à pressa e sem grande cuidado, acabou por se tornar um fragmento de história. Não só da minha família, mas também de um país que aprendeu e continua a aprender, com dor, o valor da liberdade e da verdade.


 

06 novembro 2025


Quinta-feira é dia de Feira.

            Hoje é quinta-feira, e aqui em Barcelos isso tem um significado muito especial. É dia de Feira. A história da feira de Barcelos remonta ao século XV, quando foi autorizada pelo Rei D. João I em 1412 para ser um evento anual. A feira foi evoluindo ao longo dos séculos, mudando de duração, local e dia de realização, até se fixar no Campo da República (antigo Campo da Feira) e passar a ser realizada semanalmente às quintas-feiras. Por isso aqui na minha terra, desde sempre, a quinta-feira é dia de Feira. É quase uma lei não escrita, enraizada na alma das gentes daqui. Se o domingo é para ir à missa, a quinta-feira é para ir à Feira.

            A feira é um mundo à parte. Cada banca conta uma história. Das louças coloridas às mantas de lã, de todo o tipo de vestuário, frutas e legumes, animais vivos, dos cestos de vime aos galos de Barcelos, há um encanto que nos transporta a outros tempos. Caminhar por entre todas aquelas bancas e tendas cheias de vida é quase como percorrer as páginas de um livro antigo. Um livro escrito com tradição, trabalho e alegria.

            Há lugares que ficam gravados em nós não só pelo que vemos, mas pelo que sentimos e a Feira de Barcelos é, para mim, um desses sítios. Lembro-me bem das histórias que a minha mãe e as minhas tias contavam, dos tempos em que ainda iam a pé, com os cestos à cabeça, equilibrados com aquela elegância natural de quem cresceu habituada ao esforço. Outras vezes, iam com o meu avô, no carro de bois, que rangia devagar pelas estradas de terra batida. Era uma viagem longa, mas cheia de esperança. Esperança de vender o que a terra dava e de trazer algum dinheiro para casa.

            Mais tarde, com as estradas melhoradas, começou a vir a “camioneta” à aldeia. Era uma festa! A feira deixava de ser apenas um lugar de comércio, era o ponto de encontro, o dia diferente da semana, o momento em que se viam caras conhecidas e se trocavam novidades. Tudo o que a terra produzia tinha valor. Levavam-se sacos de batatas, feijão, cebolas, flores e, claro, as laranjas, que sempre foram o orgulho da nossa aldeia, conhecida pela boa laranja, doce e perfumada. Os pares de frangos eram escolhidos “a dedo”. Os mais bonitos, de crista vermelha eram os selecionados para chamar a atenção dos compradores.

            Recordo-me de andar de mão dada com a minha mãe, maravilhado com a confusão organizada da feira. Andar de banca em banca, de tenda em tenda à procura das botas ou das calças que eu precisava, mas sempre regateando o preço que ela podia pagar. As galinhas cacarejavam num canto, o vendedor de castanhas apregoava em voz alta, e havia sempre alguém disposto a negociar o preço de um par de sapatos ou de uma faca artesanal. Era um espetáculo vivo, cheio de sons, cores e cheiros que se entranhavam na memória. E no meio desse rebuliço todo, havia sempre espaço para os pequenos prazeres. Quando a feira corria bem, lá vinha o mimo, os “pastéis”, ou o pão doce simples que sabiam à recompensa e ao carinho de quem queria ver os filhos felizes.

            Naqueles tempos, até a forma de se despedirem mostrava a importância da feira nas nossas vidas. Em vez de um simples “até para a semana”, dizia-se “até à feira”. Era a medida do tempo das gentes do campo. O calendário não se fazia pelos dias, mas pelas feiras. Entre uma e outra passava-se a vida, com o trabalho da terra, as colheitas, as lidas do dia-a-dia, sempre com a próxima quinta-feira no pensamento.

            A Feira de Barcelos não é só comércio. É memória viva, é tradição, é o coração do Minho a bater forte todas as quintas-feiras. Ainda agora, quando oiço o burburinho das bancas e sinto o cheiro das castanhas no ar, parece que o tempo volta atrás. Hoje já não há carro de bois nem cestos à cabeça, mas o encanto é o mesmo. A feira continua lá, fiel à sua quinta-feira, como sempre. E eu continuo a sentir o mesmo orgulho e a mesma ternura, porque a Feira de Barcelos é, e será sempre, parte da minha história.