Se há memória que me acompanha
desde criança é o aroma da broa de
milho da “Tia Quinhas”. Mais do que alimento, era um ritual, um pedaço
de tradição que unia toda a família em torno da sua mesa e da sua generosidade.
Houve sempre uma presença discreta mas imensa na minha infância e na vida de
toda a família: a tia Quinhas. Era
a mais velha de dez irmãos, mas nunca quis casar. Em vez disso, dedicou-se
inteiramente aos meus avós, sendo para nós, sobrinhos, como uma segunda avó. Curiosamente,
nunca soube a origem da sua alcunha. Chamava-se Maria — como quase todas as
mulheres da sua geração — e, ainda assim, ficou para sempre conhecida por todos
como “Quinhas”. Talvez tenha sido um
capricho da infância, talvez apenas um modo carinhoso de a distinguir entre
tantas Marias. O certo é que ninguém mais a tratava pelo nome de batismo.
Os primeiros anos da minha infância foram
passados na casa dos meus avós, onde a minha tia também vivia. Talvez por isso
entre nós existisse um carinho especial, uma ligação feita de proximidade e de
gestos simples que marcaram para sempre a minha vida.
Às
quintas-feiras, dia de feira em Barcelos, lá ia ela vender os produtos da terra
e quando voltava trazia sempre um mimo para os mais novos: um “pastel”, como nós chamávamos aos
bolos, que nos sabia a festa. Mas, por mais deliciosos que fossem, nada se
comparava ao sabor da broa, ao aroma da broa quente que ficou gravado em mim
como o perfume da infância.
O fabrico da
broa era um acontecimento. Tive a sorte de aprender com ela todo o processo,
cheio de rituais quase sagrados: amassar
a farinha na “masseira” antiga no dia anterior, benzer a massa antes de a deixar levedar, aquecer o forno que ficava na própria cozinha e, no momento de o
tapar, havia uma regra inquebrável — as
portas e janelas da casa não podiam ser abertas até ao momento de o destapar.
Tudo se fazia com respeito, quase como se a broa fosse uma bênção que exigia
silêncio e devoção. Um ritual que se repetia de quinze em quinze dias, o cheiro
quente e reconfortante da broa enchia a casa e, como era hábito da tia, repartia-se
por toda a família. Cada broa era uma partilha de amor e cuidado, e ninguém
ficava de fora. Era mais do
que pão, era partilha, era afeto transformado em alimento.
A tia
Quinhas deixou-nos muito mais do que lembranças. Deixou-nos o sabor do pão
partilhado, a lição de que as coisas mais simples podem ser as mais
importantes, e a certeza de que o amor se sente também no cheiro que nos acolhe
em casa. Com
a sua simplicidade ensinou-nos que o amor não precisa de grandes discursos.
Vive-se nos gestos simples, na paciência do cuidado, no prazer de dar sem
esperar nada em troca. Para mim, será sempre a memória doce de um lar dentro do
lar, de um coração que soube ser mãe, irmã, filha, tia e avó… tudo ao mesmo
tempo.
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