O candeeiro da sala.
As minhas
recordações de infância estão repletas de aventuras simples, mas cheias de
magia. Cresci rodeado pelos meus primos e a casa dos meus avós era o nosso
Forte. Juntos transformávamos qualquer recanto num verdadeiro parque de
diversões. Não havia brinquedos modernos, mas havia imaginação — e isso
bastava.
O meu avô,
carpinteiro de mãos hábeis e coração generoso, deixava-nos explorar as suas
ferramentas. Com pedaços de madeira, dávamos vida a barcos que depois navegavam
no tanque usado para regar os campos e lavar as roupas. Com as sacholas,
fazíamos ondas, transformando aquele tanque num oceano em miniatura. Claro que
as minhas tias não achavam tanta graça, afinal os cabos das sacholas ficavam
todos farpados e, no dia seguinte, eram elas que precisavam das ferramentas
para trabalhar.
Entre as
maravilhas que o meu avô construiu para mim, houve uma que nunca esqueci: uma
roda em madeira com guiador que apoiava ao ombro e que, na minha imaginação,
era uma moto. Corria pela casa com a novidade, o soalho de madeira amplificava
o barulho das minhas "acelerações", e acho que, instantes depois de
dar início às minhas corridas já o meu avô se tinha arrependido da sua
generosidade. J
Mas a
memória mais divertida que guardo aconteceu pouco tempo depois da chegada da
luz pública às ruas da aldeia. Eu e um primo, companheiro inseparável das
minhas traquinices, tínhamos acabado de aprender com o meu avô a fazer uma
fisga. Era a nossa nova arma secreta e tínhamos que a testar.
Na altura,
instalaram dois postes de iluminação junto à casa do meu avô. Achámos prudente
não disparar contra o que ficava próximo da nossa entrada, e elegemos o outro,
mais afastado, no caminho que levava à casa do vizinho. Á vez, os dois recrutas
com a sua nova arma, tentavam acertar no alvo. Depois de algumas tentativas
falhadas, lá conseguimos acertar (por uma questão de justiça acho que até foi o
meu primo o autor da fisgada certeira… e a partir a lâmpada)!
Fugimos apavorados, mas também
bastante orgulhosos da pontaria. O verdadeiro problema veio mais tarde: o
vizinho, que ao longe tinha observado toda esta cena, foi logo fazer queixa ao
meu tio. Acusou-nos de lhe termos partido o candeeiro da sala. O meu tio, ao
ouvir tão grave acusação, não quis perder tempo. Homem de temperamento rápido e
com grande sentido de justiça, decidiu de imediato repor a ordem: pena aplicada
- uma valente sova. Na verdade o vizinho ainda não tinha luz elétrica em casa e
continuava a viver à luz das velas. Mas como o poste ficava mesmo em frente às
janelas da sua casa, iluminava-a todas as noites, e para ele aquela maravilhosa
lâmpada era o seu precioso “candeeiro da sala”.
Foi preciso muito esforço da
nossa parte para explicar ao meu tio o que realmente tinha acontecido. ”Apenas”
tínhamos partido a lâmpada do poste da rua… Só depois de muita conversa
conseguimos evitar a sova que parecia certa. A pena foi reduzida para um “puxão
de orelha”, uma reprimenda e uma lição: nunca mais testar a pontaria em
candeeiros… pelo menos não tão perto de casa!
Ainda hoje me rio quando recordo esse episódio. São histórias como esta que mostram como a infância, mesmo sem grandes recursos, pode e deve ser um tempo de liberdade, criatividade e descobertas — momentos que ficam gravados na memória para sempre.
As figas eram armas poderosas nas mãos das crianças, sem dúvida. Até os mais velhos as usavam para ir à caça de pássaros. Também usavam armadilhas. Pobres passaritos.
ResponderEliminarEssa do candeeiro era de prever. : ))
Foi muito traquinas!
Verdade. Histórias assim mostram que a infância, independente de recursos materiais, pode ser um período de muita criatividade, liberdade e descoberta. São lembranças que moldam quem somos e que permanecem gravadas na memória, lembrando que a alegria e a imaginação muitas vezes são recursos valiosos que não dependem da riqueza.
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