14 outubro 2025


Um gosto que ficou na memória!

        No início dos anos 80, quando a escola primária ainda cheirava a giz, ainda nos sentávamos nas carteiras de madeira e a lancheiras eram sacolas de pano, o fim do ano letivo era um momento mágico. Não havia melhor notícia do que o tão esperado passeio da escola, o que hoje chamam de visita de estudo, mas que, para nós, era quase uma expedição ao desconhecido.

        Nesse ano, o destino era o Alto Minho! A viagem, vista hoje, parecia curta, uns quantos quilómetros apenas. Mas, com as estradas sinuosas de então e as camionetas (ainda não lhes chamávamos “autocarros”) barulhentas que gemiam a cada subida, a viagem transformava-se numa verdadeira odisseia. Entre curvas, solavancos e o cheiro a gasóleo misturado com gargalhadas e cantorias, aquelas horas pareciam não ter fim. Ainda assim ninguém se queixava. Para nós cada minuto longe da aldeia era uma aventura. Entre paragens e muitas brincadeiras uma localidade ficou gravada na minha memória: Vila Praia de Âncora. Foi lá que visitámos uma fábrica de lacticínios, um mundo de cheiros e sons diferentes de tudo o que eu conhecia. As máquinas zumbiam, os trabalhadores usavam toucas brancas e, no ar, flutuava um aroma adocicado e fresco que eu não sabia ainda identificar.

        Foi então que nos revelaram o segredo: iogurtes. “Iogurtes Âncora”, um nome que eu já ouvira, mas cujo sabor nunca me tinha passado pela língua. Ficámos todos fascinados com o processo do leite que se transformava, quase por magia, naquela iguaria cremosa e misteriosa.

        No final, ofereceram-nos dois iogurtes. Um cheio, pronto a saborear, e outro vazio, mas com tampa para recordação. Alguns colegas não resistiram e abriram o iogurte ali mesmo, sentados no chão, colheres improvisadas em mãos e sorrisos de pura felicidade.

        Eu, prudente e orgulhoso, decidi guardar o meu. Queria levá-lo para casa, mostrar à minha mãe o prémio daquela aventura e partilhar o sabor da novidade. Coloquei-o cuidadosamente na sacola, longe do sol, e segui viagem com o coração cheio de expectativa.

        Mas o destino, ou talvez a gula alheia, pregou-me uma partida. Quando o passeio terminou e corri para mostrar o meu tesouro, encontrei apenas a embalagem vazia. O iogurte tinha desaparecido. Não derretido nem evaporado, mas certamente subtraído pela ação de alguma mão mais rápida, gulosa e impaciente do que a minha.

        Fiquei a olhar para o copinho vazio, incrédulo, sem saber se havia de rir ou chorar. Enquanto uns lambiam as colheres com ar satisfeito, eu percebia que o meu primeiro iogurte tinha sido saboreado… mas não por mim.

        E foi assim que, naquele passeio que acabou por se revelar uma verdadeira visita de estudo, aprendi duas lições: a primeira, que o sabor da novidade pode ser tão intenso mesmo quando nos é roubado; e a segunda, que há alturas em que o tempo não espera, nem pelos mais pacientes e cuidadosos!

        O meu primeiro iogurte ficou na memória. Mas o gosto... esse, ficou para a imaginação.


 

20 comentários:

  1. Uma lição que o menino deveria ter aprendido e retido, é que "candeia que vai a frente alumia duas vezes"...
    Uma vez que tinha recebido um iogurte cheio e um outro, inexplicavelmente, vazio. Comia logo essa iguaria nunca até aí - e depois, idem - provada e guardava a embalagem do outro para mostrar em casa.
    Assim, ficou com aquela sensação frustrante que eu tive um dia, quando me retiram o pratinho da sobremesa : morangos com chantili, que eu saboreava lentamente, enquanto me distraia na conversa com outras amiguinhas do mesmo grupo.
    Ao longo da minha vida comi muitos morangos com chantili, mas nada, nada, nada, me compensou pelo trauma que sofri.
    Nunca consegui ultrapassar o sabor amargo, de me ver ver privada do doce paladar que saboreava pela primeira vez...

    Um abraço

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    1. O "menino" aprendeu a lição!
      São os sabores da nossa infância que nunca esquecemos...
      Abraço.

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  2. Essa história que gostei muito de ler lembra-me um episódio em que eu estava na 1.ª classe. Quase no fim do ano lectivo, a professora ofereceu-me uma caixa de chocolates, porque eu era a melhor aluna da turma. Não aceitei, dizendo que a minha mãe me tinha proibido de aceitar presentes de alguém.

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    1. Pois, sempre nos diziam para não aceitar nada de estranhos:)
      Abraço.

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  3. 酸奶味道好有益處,但市面好多假貨.

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  4. Que desilusão...

    Gosto muito de Vila Praia de Âncora e gostei imenso de ler esta sua memória.

    Abraço, bom resto de dia.

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    1. Uma vila muito bonita com uma praia espetacular.
      Abraço.

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  5. Não conhecia, mas parece ter mesmo marcada uma geração!

    A tua opinião é muito importante, por isso gostava de pedir 3 minutos do teu tempo, para responderes ao questionário de consulta e satisfação sobre o meu blog. É muito simples, basta clicares aqui.
    Obrigada!

    Bjxxx,
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  6. Que texto lindo, sim, guardamos lindas recordações da infância, principalmente! Gostei muito de ler um pouquinho de suas memórias, muito bem contada! Fiquei com pena...
    Um feliz fim de semana que está chegando.
    Abraços.

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    1. Muito obrigado. Não fique com pena!!! O miúdo daquela época ultrapassou facilmente este contratempo.
      Abraço e bom fim de semana.

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  7. Olá!
    Sempre tem alguém que passa a perna, da uma rasteira em nós.
    Ficou uma lição.
    O final é bem instigante.
    Temha um final de semana abençoado!
    Abraços fraternos

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  8. Hi,
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  9. Uma visita de estudo era sempre uma festa. Agora a sua desilusão é que o marcou. Quem terá sido o larápio? Vila Praia de Âncora é um lugar muito bonito. Não conhecia os iogurtes. Gostei da sua narrativa que segui com gosto como se estivesse a ver um filme.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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    1. O larápio ficou no segredo dos deuses. Os iogurtes eram um dos muitos produtos da Fabrica de Lacticínios Ancora que há muitos anos deixou de laborar.
      Uma boa semana.
      Um abraço.

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  10. Mais uma vez me fizeste voltar aos tempos da minha meninice, numa aldeia aqui do Norte; sim, sou minhota e conheço Vila Praia de Âncora.
    Iogurtes, Amigo? Não tinha desses " luxos " e os passeios da escola eram assim mesmo, como aqui contas. Estradas fracas, camionetas mal cuidadas, mas, para nós, um desses passeios era, como, se hoje, fossemos de avião a Lisboa. Eu ainda tinha alguma sorte por ter um pai taxista; de vez em quando, ele esquecia o trabalho e levava-nos à Póvoa de Varzim, comer uma torrada no Guarda -Sol; ainda hoje são famosas e quando lá vou, lembro do meu pai, com muita saudade; ele perdia de ganhar dinheiro, para dar esse gostinho à mulher e aos dois filhos. Fui uma criança feliz, apesar de não haver iogurtes em casa. Obrigada, Amigo, pelas belas recordações que me trazem os teus posts. Um beijinho e uma boa semana
    Emília 🌻 🌻

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  11. Uma visita bem interessante, pena não ter provado o iogurte.
    No meu tempo ainda não haviam passeios no final do ano 😊
    Um grande abraço

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