Um gosto que ficou na memória!
No início
dos anos 80, quando a escola primária ainda cheirava a giz, ainda nos sentávamos
nas carteiras de madeira e a lancheiras eram sacolas de pano, o fim do ano
letivo era um momento mágico. Não havia melhor notícia do que o tão esperado passeio da escola, o que hoje chamam
de visita de estudo, mas que, para nós, era quase uma expedição ao
desconhecido.
Nesse ano, o
destino era o Alto Minho!
A viagem, vista hoje, parecia curta, uns quantos quilómetros apenas. Mas, com
as estradas sinuosas de então e as camionetas (ainda não lhes chamávamos
“autocarros”) barulhentas que gemiam a cada subida, a viagem transformava-se numa
verdadeira odisseia. Entre curvas, solavancos e o cheiro a gasóleo misturado
com gargalhadas e cantorias, aquelas horas pareciam não ter fim. Ainda assim
ninguém se queixava. Para nós cada minuto longe da aldeia era uma aventura. Entre paragens e muitas brincadeiras
uma localidade ficou gravada na minha memória: Vila Praia de Âncora. Foi lá que
visitámos uma fábrica de lacticínios, um mundo de cheiros e sons diferentes de
tudo o que eu conhecia. As máquinas zumbiam, os trabalhadores usavam toucas
brancas e, no ar, flutuava um aroma adocicado e fresco que eu não sabia ainda
identificar.
Foi então
que nos revelaram o segredo: iogurtes. “Iogurtes Âncora”, um nome que eu já
ouvira, mas cujo sabor nunca me tinha passado pela língua. Ficámos todos
fascinados com o processo do leite que se transformava, quase por magia,
naquela iguaria cremosa e misteriosa.
No final,
ofereceram-nos dois iogurtes. Um cheio, pronto a saborear, e outro vazio, mas
com tampa para recordação. Alguns colegas não resistiram e abriram o iogurte
ali mesmo, sentados no chão, colheres improvisadas em mãos e sorrisos de pura
felicidade.
Eu, prudente
e orgulhoso, decidi guardar o meu. Queria levá-lo para casa, mostrar à minha
mãe o prémio daquela aventura e partilhar o sabor da novidade. Coloquei-o
cuidadosamente na sacola, longe do sol, e segui viagem com o coração cheio de
expectativa.
Mas o destino, ou talvez a gula
alheia, pregou-me uma partida. Quando o passeio terminou e corri para mostrar o
meu tesouro, encontrei apenas a embalagem vazia. O iogurte tinha desaparecido.
Não derretido nem evaporado, mas certamente subtraído pela ação de alguma mão
mais rápida, gulosa e impaciente do que a minha.
Fiquei
a olhar para o copinho vazio, incrédulo, sem saber se havia de rir ou chorar.
Enquanto uns lambiam as colheres com ar satisfeito, eu percebia que o meu
primeiro iogurte tinha sido saboreado… mas não por mim.
E
foi assim que, naquele passeio que acabou por se revelar uma verdadeira visita de estudo, aprendi duas lições: a primeira, que o
sabor da novidade pode ser tão intenso mesmo quando nos é roubado; e a segunda,
que há alturas em que o tempo não espera, nem pelos mais pacientes e cuidadosos!
O
meu primeiro iogurte ficou na memória. Mas o gosto... esse, ficou para a
imaginação.
Sem comentários:
Enviar um comentário